spot_img

Empresas saem às compras

Enquanto o mercado de aquisições e integrações está quase congelado, algumas empresas saem às compras.

A nova onda das fusões

No pós-crise, o atual represamento de transações poderá resultar num boom?

O mundo mudou. A frase ouvida, e sentida, por quase todos nas últimas semanas faz ainda mais sentido para quem estava em qualquer uma das pontas da mesa de negociações de alguma fusão ou aquisição logo antes da avassaladora chegada das contaminações da atual pandemia. O aumento da incerteza, causada pela volatilidade dos mercados e pelas previsões contrastantes sobre o tempo necessário de isolamento social, fez diversas transações serem interrompidas temporariamente ou canceladas de vez. Há quem, no entanto, mantenha o ritmo de compras durante a pandemia. Mesmo que de forma muito diferente do que fazia antes, as aquisições continuam fazendo parte da rotina de Bruno Haddad, presidente da operação brasileira da DaVita, empresa americana especializada em serviços de diálise e dona de faturamento anual de US$ 11,4 bilhões. “Em média, contratamos entre 60 e 90 funcionários todo mês e ainda fazemos pelo menos uma aquisição de clínica”, diz o executivo. “A nossa expectativa é continuar com o nível de investimentos e de crescimento por este ano.”

A meta de atingir a marca de R$ 1 bilhão de faturamento no Brasil até 2022 não mudou. Para isso acontecer, o plano de crescimento de 60% ao ano está inalterado. Desde que a empresa comprou a sua primeira clínica no Brasil, em 2016, aproveitando a abertura do mercado de saúde para companhias estrangeiras, a DaVita foi consolidando o mercado. Em 42 meses, adquiriu 55 operações, para chegar ao porte atual de 48 clínicas e seis unidades de atendimento intra-hospitalar, além de um centro de acesso vascular.

Nos primeiros 100 dias de 2020, parece até que o mundo não mudou para a empresa: foram cinco aquisições. Ao todo, o investimento foi de R$ 100 milhões em expansões, considerando também a compra de máquinas. Duas das aquisições aconteceram em mercados novos para a empresa – Natal e Goiânia –, a última delas na segunda-feira 13. “O número de clínicas avaliadas para aquisição até aumentou com a crise”, afirma Haddad. “A demanda atual gera um desafio claro para as clínicas menores, que não têm grande capacidade de investimentos, e elas reveem os seus planos de continuarem independentes.” De fato, um dos efeitos do tratamento de doentes graves da Covid-19 é o aumento do uso de máquinas de hemodiálise, por conta de falhas nos rins de diversos pacientes. A DaVita já percebeu aumento de cerca de 20% na demanda intra-hospitalar desde o início da epidemia.

Com a necessidade de isolamento, o que mais mudou na rotina de Haddad e de sua equipe de aquisições foi a intensificação do trabalho a distância. Os processos de compras ainda levam o tempo usual, entre quatro meses a um ano, desde a auditoria prévia ao fechamento da transação. “A grande dificuldade está em estruturar uma forma de fechar aquisições a distância”, diz Haddad. Finalizada a compra, começa a fase de integração, que precisa ser feita presencialmente. Na compra da clínica de Goiânia, um pequeno grupo gestor foi deslocado de Brasília para evitar viagens aéreas. O desafio é aprender rapidamente como se adaptar aos novos processos em épocas de pandemia. Isso serve para todos os envolvidos. Não só para os negociadores das empresas, que ficam sem a possibilidade de fazer presencialmente o jogo de cena de cena de mostrar desinteresse para conseguir um acordo mais favorável, mas também para os advogados responsáveis pelos contratos e consultores especializados em fusões. José Diaz, sócio de fusões e aquisições do escritório de advocacia Demarest, diz que mudou o dia a dia. “Em vez de ficarmos cinco dias trancados numa sala com um monte de papel e sem dormir, levamos dez dias em conversas por videoconferência”, afirma. “Estamos aprendendo a ganhar mais eficiência. Trancado numa sala é mais rápido. Agora, o documento vai e volta, mas no fim chegamos no mesmo lugar.” O escritório atende a DaVita em seus processos de aquisições, mas também foi responsável pelo negócio que talvez tenha sido o mais relevante ocorrido no Brasil nas primeiras semanas de abril.

A canadense Nutrien, uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo, anunciou a compra do grupo goiano Tec Agro, distribuidor de insumos e dono de uma marca de sementes de soja.

A transação avaliada em torno de R$ 600 milhões praticamente dobrará o tamanho da Nutrien no Brasil, para um faturamento anual de cerca de R$ 2 bilhões. “Alguns setores se mostram mais resilientes”, afirma Diaz. “Na agricultura, contando a área alimentar e florestal, as negociações continuam acontecendo como se não houvesse essa crise toda.” Além do campo, as discussões continuam entre empresas de tecnologia, de educação a distância e em áreas de saúde que não estão sendo diretamente impactadas pela explosão de pacientes – como diz uma fonte do setor, alguns empresários da saúde têm os recursos e as oportunidades para fazer as aquisições agora, mas estão sem tempo ou cabeça para cuidar disso. Na quinta-feira 23, foi a vez do UOL anunciar a venda de sua operação de centro de dados, UD Tecnologia, para o fundo de investimentos americano Digital Colony, num negócio estimado em R$ 1,5 bilhão.

Por outro lado, entre os setores extremamente afetados pela crise estão a indústria, em especial, a de mineração e a petroquímica, e o setor de infraestrutura. Segundo Diaz, “também sumiu aquele dinheiro mais arriscado, para investir em startups.” Grandes processos que estavam no radar estão interrompidos e podem levar muitos meses para serem finalizados – se forem algum dia. São os casos da venda de refinarias da Petrobras (leia mais sobre privatizações na página 24) e da operadora de telefonia Oi. Também interrompeu tratativas o grupo Bloomin’ Brands, que colocou a rede de restaurantes Outback à disposição. O ativo interessava ao fundo Advent e à rede de hamburguerias Madero. A última entrou em processo de demissão de 600 pessoas e parece agora mais preocupada em atravessar a crise que expandir.

PRÉ E PÓS
Estão também congeladas as conversas para vendas da geradora de energia renovável Echoenergia pela gestora Actis, dos ativos do grupo educacional Laureate no Brasil e das ações das gestoras Rio Bravo e Guide pelo grupo chinês Fosun. Até mesmo a grande fusão do momento parece ter chegado a um impasse, com a geradora de energia Eneva retirando a sua proposta de incorporação da AES Tietê, que rejeitou uma primeira abordagem. Carlos Priolli, sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, diz que o mercado está muito volátil. “Fica difícil fazer a precificação das empresas”, afirma. “E o problema é que o dono da empresa acha que ela ainda vale mais e quer vender pelo preço pré-pandemia, e o comprador quer adquirir pelo pós-pandemia”, observa. O impasse, então, se instala. Há duas formas mais usuais de avaliar uma empresa. Pelo fluxo de caixa sustentado, se traz a valor presente a projeção de lucro futuro – mas as projeções de rentabilidade ficaram inconfiáveis. Ou pega-se uma empresa comparável que foi negociada e se contabiliza qual foi o múltiplo de seu Ebitda, levado em consideração para definir o preço.

Só que é discutível se o mesmo múltiplo pago num passado recente continuará fazendo sentido para o futuro próximo, sem ninguém conhecer a extensão dos impactos da crise atual. Segundo Priolli, até existem fundos agressivos já de olho nos ativos mais desvalorizados. Há dinheiro no mercado para isso. “Mas eles aguardam uma visibilidade melhor das condições econômicas para voltarem ao ritmo normal”, diz. “A crise ainda é curta. Por sua intensidade, parece que ela começou há um ano, mas tem pouco mais de um mês”, destaca o executivo.

Outra grande questão que prejudica as tratativas é o financiamento. Espera-se a procura por formas mais criativas para não perder valor nos negócios, como vendedores aceitando pagamentos em parcelas. Uma das mais importantes fontes de recursos para aquisições neste ano deveria vir da onda de aberturas de capital prevista para a bolsa de valores. Mais de 20 empresas programavam fazer IPO em 2020. Todas interromperam ou estão revendo essa decisão. Grande parte utilizaria o dinheiro levantado para ganhar mercado por meio de aquisições, o que, no mínimo, foi adiado.

Com base no padrão das crises de 2001 e 2008, a Alvarez & Marsal prevê queda de 64% no volume de transações no Brasil, em comparação a 2019. No ano passado, foram negociados US$ 27 bilhões no País, em 392 operações. Já a KPMG contabilizou 1.231 transações no ano passado, mas incluindo também negócios internacionais que envolveram empresas com operações no País. Para Luis Motta, sócio da KPMG, se um trimestre for perdido, a queda será de cerca de 25% dos negócios, voltando ao volume de transações de dois anos atrás. “Já se vê agora um pouquinho mais de apetite, em relação ao mês passado”, diz. “Mas, quanto mais demorar para a economia reabrir, existirá mais inércia a dificultar a retomada. Ainda que ocorra um boom de transações represadas, esses negócios vão substituir processos novos que seriam realizados, porque os compradores serão os mesmos.”

Empresas em recuperação judicial também podem buscar vender ativos mais rapidamente, para sobreviver. “A dificuldade é que, neste momento, ninguém quer discutir preço, até para não ficar com a fama de oportunista”, afirma Motta. Uma grande esperança para estimular o mercado, além dos ativos em desconto, é a desvalorização do real, que poderia atrair investidores estrangeiros com dólares em caixa. Mas, Priolli, da A&M, não acredita nessa alternativa: “O estrangeiro tem muito receio com o nível de volatilidade brasileira”.

Por isso, pelo menos em curto e médio prazo, as negociações devem ser mais locais. “Quem está no Brasil já está mais acostumado a isso”, diz. “Existem discussões em curso em que ambos os acionistas mantêm interesse no negócio, mas agora eles estão focados em resolver os riscos de caixa.” Ou seja, com tanta instabilidade, dá para acreditar que os próximos meses serão marcados por poucos bravos investidores se juntando à DaVita e à Nutrien na contramão do congelamento do mercado de fusões e aquisições. Essa tendência, no entanto, deve ser revertida em algum momento. O mundo pode até ter mudado definitivamente, mas continuará a ter empresas comprando umas às outras. O pôquer do M&A (sigla em inglês para o campo de fusões e aquisições) agora pede jogadores ainda mais frios.

Fonte: https://www.istoedinheiro.com.br/a-nova-onda-das-fusoes/

Foto: APETITE: Ritmo de compras de empresas em solo brasileiro continua na americana DaVita, comandada por Bruno Haddad. (Crédito: Claudio Gatti)

Você é empresário?

Descubra agora gratuitamente quantos concorrentes o seu negócio tem

Logo Data Biz News
Grátis

Descubra agora quantos concorrentes a sua empresa tem

data biznews logo Data Biznews segue as diretrizes da LGPD e garante total proteção sobre os dados utilizados em nossa plataforma.

Últimas notícias

O que falta para a taxa de juros do BC cair mais rápido

Inflação para 2025 está na meta, na conta do...

Na Saque e Pague, R$ 200 milhões para virar “banco” e “loja”

Muitos especialistas previam o declínio dos caixas eletrônicos, equiparando-os...

Veja outras matérias

Logo Biznews brasil
Consultoria Especializada

Compra e Venda de Empresas

Clique e saiba mais

Valuation

Clique e saiba mais

Recuperação de Tributos

Clique e saiba mais