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Financiamentos sustentáveis no Brasil: 200 operações e volume de R$ 70 bi

Embora paulatina e em um ritmo condizente com as peculiaridades dos desafios da transição energética, a alocação de capital em ativos ESG veio para ficar

A temática ESG é, sem dúvida, um dos assuntos mais importantes no âmbito das finanças corporativas. Nesse espaço, buscaremos ser didáticos e objetivos em relação ao tema, trazendo aspectos práticos e históricos a respeito de como as companhias podem se beneficiar dos financiamentos sustentáveis e educá-las para que se preparem para a adoção de medidas e antecipem riscos e mudanças que podem trazer impactos transformacionais para o ambiente de negócios e suas estratégias de desenvolvimento.

Em 2020, a BlackRock, uma das maiores gestoras do mundo, com mais de US$10 trilhões sob gestão, deu o tom a respeito do que seria a pauta das principais discussões envolvendo o financiamento de empresas ao destacar a necessidade de reformulação do modelo de financiamento e que, no âmbito de tal reformulação, em um futuro mais próximo do que a maioria prevê, haverá uma significativa realocação de capital, chamando a atenção, por exemplo, para a necessidade de governos, empresas e acionistas enfrentarem os desafios e consequências impostas pelas mudanças climáticas. [1] Desde então, pode se dizer que, embora paulatina e em um ritmo condizente com as idiossincrasias dos desafios da transição energética e de um mundo em constante agitação geopolítica, a alocação de capital em ativos que respeitem os princípios ESG veio para ficar.

Além de ser uma potência verde com seus vários biomas fundamentais para a contenção do ritmo de aceleração da temperatura global, o Brasil recebeu a notícia da ênfase ESG com a certeza de que havia muitos desafios a serem enfrentados, mas que seu mercado de capitais, recém democratizado, com recorde de pessoas físicas investidoras, possuía terreno fértil para a catalisação dos princípios ESG. Afinal, por exemplo, no âmbito da governança, de um total 253 companhias brasileiras pertencentes a segmentos de listagem, 203 estão listadas no Novo Mercado da B3, criado em 2000.

O Novo Mercado obriga as empresas listadas a se comprometerem com alto nível de governança, que inclui, dentre outras, as seguintes obrigações:

  • estender 100% de eventual prêmio pago aos controladores por ações de seu bloco de controle
  • ter no mínimo 20% dos membros do conselho de administração independentes;
  • que toda ação tenha direito a voto. Além disso, as companhias são obrigadas a possuir um comitê de auditoria responsável
  • pelo escrutínio de todas suas informações apresentadas ao mercado, (ii) pela avaliação e monitoramento dos riscos da companhia
  • supervisão da implementação de suas políticas internas que, por sua vez, precisam compreender no mínimo:
    1. política de remuneração
    2. política de indicação dos membros do conselho de administração
    3. política de gerenciamento de riscos
    4. política de transações com partes relacionadas
    5. política de negociação com valores mobiliários

Há ainda muitos desafios, como por exemplo, a necessidade de maior pluralidade de perfis dos membros de suas respectivas administrações e, em alguns casos, compromissos estabelecidos de maneira mais objetivas em relação às métricas ESG.

No âmbito do uso dos recursos obtidos por meio de mercado de capitais, o país também já vinha dando passos na direção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável[2], ao criar arcabouços legais e regulatórios que culminaram, por meio de incentivos fiscais, na propulsão do financiamento imobiliário, do agronegócio e da infraestrutura. Produtos como Certificados de Recebíveis Imobiliários, Fundos de Investimentos Imobiliários, Certificados de Recebíveis do Agronegócio, Debêntures e Fundos de Infraestrutura se popularizaram no mercado de capitais brasileiro e, em certa medida, contribuíram para:

  1. a diminuição de nosso déficit habitacional
  2. a promoção de uma agricultura sustentável
  3. a melhoria da infraestrutura do país

É, claro, que incentivos fiscais e produtos de investimento voltados para setores específicos não são suficientes para atingirmos objetivos mais ambiciosos e consistentes com o prazo em que eles precisam ser implementados. Para isso, é fundamental que a sociedade, em especial o conjunto de stakeholders do mercado de capitais brasileiro, assuma compromissos nesse sentido.

E é nessa direção que estamos caminhando: atualmente as emissões locais e internacionais de companhias brasileiras já somam mais de 200 operações de títulos verdes concluídas, com um volume total de mais de US$14 bilhões (cerca de R$ 70 bilhões). As emissões são categorizadas de acordo com (a) destinação: modalidade em que os recursos serão alocados no financiamento de projetos que fomentem a sustentabilidade (i.e. financiamento de projeto de determinada matriz energética neutra em relação à emissão de carbono); e (b) desempenho: modalidade em que são assumidos compromissos para atingir metas sustentáveis (i.e. diminuição da emissão de carbono, aumento da diversidade nas posições de liderança da empresa).

As obrigações pactuadas nos documentos de cada oferta endereçam os compromissos verdes e metas de desempenho ESG, os quais podem trazer vantagens para a emissora, como por exemplo benefícios financeiros (taxas de captação mais atrativas), e maior amplitude de investidores da oferta, uma vez que gestores têm condicionado cada vez mais a realização de investimentos a compromissos ESG.

O olhar ESG, como consequência dessa demanda de mercado, tem também chamado a atenção dos órgãos reguladores.  Por exemplo, a partir de 2023, a CVM vai passar a exigir que as companhias abertas expliquem a não adoção de práticas ESG, ou incluam informações em seus respectivos formulários de referência a respeito de documentos ou relatórios ESG que venham a produzir, incluindo:

  1. metodologia ou padrão seguidos para sua elaboração
  2. informação de eventual auditoria ou revisão por entidade independente
  3. eventual consideração de matriz de materialidade e indicadores-chave de desempenho ESG
  4. eventual alinhamento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
  5. eventual consistência com as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD)[3] ou recomendações de divulgações financeiras de outras entidades reconhecidas
  6. opção da emissora a respeito da realização de inventários de emissão de gases do efeito estufa

Finalmente, é importante destacar que, como discutido aqui, a agenda ESG pode trazer grandes benefícios para as companhias brasileiras e ao mercado de capitais em geral. Contudo, para evitar o greenwash[4] (que tende a ser cada vez mais analisado com rigor pelos órgãos reguladores), e, ao mesmo tempo, extrair todo o valor que a agenda ESG pode representar, é importante que as companhias estruturem as etapas do processo de adoção de tais práticas e se cerquem de prestadores de serviços qualificados. O processo de seleção de tais prestadores de serviços deve compreender a escolha adequada das instituições financeiras responsáveis pela intermediação da oferta, advogados responsáveis pela elaboração dos documentos e auditoria legal da emissora, consultoria ESG especializada e auditores responsáveis pela confirmação da consistência das informações financeiras prestadas pela emissora.

[1] https://www.blackrock.com/americas-offshore/en/larry-fink-ceo-letter

[2] https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

[3] https://assets.bbhub.io/company/sites/60/2021/10/FINAL-2017-TCFD-Report.pdf

[4] Expressão que significa “maquiagem verde” ou “lavagem verde”. Nesses casos, as marcas criam uma falsa aparência de sustentabilidade, sem necessariamente aplicá-la na prática. Em geral, a estratégia é utilizar termos vagos e sem embasamento.( https://idec.org.br/greenwashing)

Fonte: Exame

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