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“Intensivão” de consumo consciente durante a quarentena

Artigo de Ricardo Voltolin*

Durante a pandemia, alguns de nós fizemos uma espécie de crossfit de consumo consciente. Aprendemos que nossas escolhas podem resultar em impactos para todas as partes

Crises não melhoram nem pioram as pessoas e as empresas. O máximo que elas fazem é acelerar processos de reflexão que estão na origem de pequenas e grandes mudanças de crenças, atitudes e escolhas. O exílio forçado pela quarentena representou para muitos um raro momento de revisão de valores e conceitos não tão praticados no mundo corporativo, como os de empatia, solidariedade, cooperação e, vale destacar, a interdependência.

Tudo e todos estamos interligados. Não existe o fora e o dentro. Impactamos pessoas e meio ambiente assim como somos impactados por eles. Ninguém está protegido do vírus se todo mundo não estiver protegido. Nenhuma empresa consegue ser próspera se todas as suas partes interessadas não forem prósperas. O simples fato de termos exercitado mais a interdependência, ideia-força que compõe a base conceitual de sustentabilidade, impulsionou práticas que, apesar de boas para a sociedade e o planeta, andavam um pouco enferrujadas.

É o caso do consumo consciente. A maioria de nós tende a achar, por exemplo, que não tem o poder de mudar realidades como o desmatamento da Amazônia, o escasseamento dos recursos naturais e o aquecimento global. A ideia por trás desse comportamento esquivo é que se somos pequenos frente a um problema complexo, aparentemente distante no tempo e no espaço, nossas atitudes individuais nunca terão impacto grande na solução.

No caso da floresta amazônica, fonte de desmatamento crescente e criminoso, tendemos a achar que nada podemos fazer para mantê-la em pé. Que é um problema, afinal de contas, da população local e de governos. Ou uma atribuição exclusiva dos ambientalistas. Ou, pior ainda, obrigação do Curupira, aquele ser mítico do nosso folclore que protege as matas dos caçadores e dos grileiros.

Não é verdade. Todos nós podemos fazer mais pela Amazônia do que assinar petições e abaixo-assinados de protesto. E o que é melhor, sem grande esforço. Começando por consumir produtos de forma mais consciente e responsável.

Aqui vale lembrar: todo produto tem uma história, que inicia, invariavelmente, com a extração ou produção de matérias-primas. O desmatamento de florestas, por exemplo, está no princípio da cadeia de valor de produtos como carne e madeira.

Se eu e você reduzimos o consumo de carne, ou procuramos conhecer melhor a origem do produto, contribuímos, ainda que de forma indireta, para manter a floresta em pé, na medida em que desestimulamos a expansão da pecuária em áreas desmatadas.

Se eu e você nos recusamos a comprar madeira de fonte desconhecida, também ajudamos a diminuir o desmatamento. A madeira ilegal que compramos, sem saber, por ser mais barata, só tem essa vantagem de preço por que todos nós, de alguma forma, acabamos pagando os impostos sonegados pelos seus exploradores e também os custos sociais e ambientais de sua extração.

Se eu e você nos recusamos a comprar madeira de fonte desconhecida, também ajudamos a diminuir o desmatamento

Durante a pandemia, alguns de nós fizemos uma espécie de crossfit de consumo consciente. Aprendemos que nossas escolhas podem resultar em impactos para todas as partes.

Logo no começo da quarentena, vale lembrar, houve um embate entre líderes pragmáticos (contrários ao confinamento em nome da economia) e líderes humanistas (defensores do isolamento em nome da vida humana.) Um dos líderes do primeiro bloco, o mais inflamado deles, ameaçou mandar empregados embora, voltou atrás, pediu desculpas e acabou cumprindo a promessa da demissão dias mais tarde.

Rapidamente, ele se transformou em personagem de hashtags furiosas nas redes sociais. Sua empresa virou motivo de campanha de boicote. Desaprovada por um grande número de pessoas, sua atitude sofreu duras críticas que resultaram em dificuldade maior para retomar os negócios.

O mesmo ocorreu com outro empresário que, um mês atrás, quase assumiu uma secretaria no Ministério da Saúde. Declarações polêmicas sobre estatísticas de mortes por Covid-19 no Brasil o colocaram na berlinda da opinião pública. O impacto foi imediato. As empresas das quais é investidor sofreram uma ameaça de boicote nas redes sociais. Preocupado, com receio de perder dinheiro, o empresário logo desistiu do cargo numa decisão que acabou sendo festejada por muitas pessoas.

Na outra ponta, empresas cujos líderes se mostraram atentos e cuidadosos em relação aos seus colaboradores, aos parceiros e às comunidades, receberam elogios, reforço positivo e campanhas de recomendação nas redes sociais. Este comportamento de maior “ativismo” dos consumidores não é exatamente uma novidade. Há, pelo menos, cinco anos, aparece em pesquisas globais relacionadas ao comportamento do consumidor. Mais recentemente, sua importância mereceu destaque em estudo feito pelo Boston Consulting Group para o Fórum Econômico Mundial.

Se, durante a crise, fomos capazes de usar o poder do consumo consciente para punir e premiar empresas por causa do comportamento de seus líderes, seremos capazes também (por que não?) de utilizá-lo para boicotar as que destroem o meio ambiente ou impactam negativamente comunidades; e recompensar as que contribuem para reduzir as mudanças climáticas. O consumo consciente é uma valiosa e eficiente ferramenta de cidadania planetária a serviço da sustentabilidade porque impacta empresas no ponto em que elas são mais sensíveis: o seu resultado econômico.

Se, durante a crise, fomos capazes de usar o poder do consumo consciente para punir e premiar empresas por causa do comportamento de seus líderes, seremos capazes também de utilizá-lo para boicotar as que destroem o meio ambiente

O fast fashion é um bom exemplo, em nível global, de indústria que passou por uma revolução de processos nos últimos anos graças ao consumo consciente. Durante a primeira década deste século 21 foi foco de denúncias de desrespeito a direitos trabalhistas e direitos humanos elementares.

Na primeira metade desta década, também passou a ser cobrado por práticas como uso excessivo de água na produção, lançamento de efluentes líquidos em rios e geração monumental de resíduos. A crítica feita, primeiro, por organizações ativistas levou a uma maior consciência por parte dos consumidores, especialmente os mais jovens.

E o resultado veio na forma de pressão para a mudança: maior controle das condições de trabalho dos pequenos fornecedores espalhados pelo mundo, redução da aplicação de químicos, economia circular para reaproveitamento de fios, uso crescente de algodão orgânico ou certificado e de insumos menos impactantes para o meio ambiente.

Fazemos a diferença para o mundo quando deixamos de comprar, e recomendamos mal, produtos/serviços de empresas que poluem rios, desmatam de modo ilegal, usam energia suja e exploram o trabalho de pessoas vulneráveis. Pressionadas, elas acabam impelidas a mudar.

Fazemos a diferença, do mesmo modo, quando preferimos comprar, e indicamos produtos/serviços de empresas que usam energia limpa, preservam ecossistemas, respeitam e promovem fornecedores, colaboradores e comunidades. Fortalecidas, elas permanecem firmes em seus valores e práticas.

O consumo consciente nos ensina a todos que “temos a força.” E que se a colocarmos do lado certo podemos, em conjunto com os investidores que já começam a fazer sua parte, pressionar empresas a serem melhores para a sociedade e o planeta.

*Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável, consultor master, escritor, palestrante e conselheiro de empresas. Criador da Plataforma Liderança com Valores, escreveu dez livros, entre os quais “Conversas com Líderes Sustentáveis” (SENACSP/2011). É professor da Fundação Dom Cabral e do ISAE-FGV.

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