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Investir com os recursos das reservas?

Artigo de Affonso Celso Pastore*

Suponhamos que fosse possível contornar a regra do teto de gastos e usar um valor em torno de 5% do PIB das reservas internacionais para financiar investimentos em infraestrutura. Defensores da ideia diriam que estaríamos apenas trocando um ativo com um baixo retorno social, as reservas, por outro ativo com um elevado retorno social, uma melhor infraestrutura. 

Como as reservas seriam “excessivas”, pois devido à recessão estamos caminhando para um superávit nas contas correntes, não teríamos de nos preocupar em reduzi-las. Nunca, em toda a minha carreira de economista, com mais de 45 anos como professor, vi tantos erros em um único argumento.

Erro #1: Do ponto de vista contábil, o déficit nas contas correntes é o excesso das importações de bens e serviços (mercadorias, fretes, seguros, viagens internacionais) sobre as exportações, mas, do ponto de vista econômico, ela é o excesso da absorção doméstica (consumo das famílias, mais investimentos em capital fixo, mais o consumo do governo) sobre o PIB. Se destinarmos 5% do PIB para os investimentos em capital fixo (é isto que são os investimentos em infraestrutura), elevaremos a absorção em 5 pontos de porcentagem do PIB, o que significa que, se as contas correntes estivessem em equilíbrio, chegaríamos a um déficit de 5% do PIB.

Como nesta recessão caminhamos para um pequeno superávit nas contas correntes, com esta medida chegaríamos a um déficit um pouco menor do que 5% do PIB.

Erro #2: O que interessa não é apenas o saldo em contas correntes, e sim o do balanço de pagamentos como um todo, que inclui a conta financeira e de capitais. Toda a acumulação de reservas realizada pelo Brasil foi exclusivamente devida aos superávits nas contas financeira e de capitais, com contribuições importantes dos investimentos estrangeiros diretos e dos investimentos em carteira. O maior supridor de investimentos estrangeiros diretos no Brasil é a Europa Ocidental, cuja recessão é mais profunda e será mais longa do que a dos EUA, limitando o apetite (e a capacidade) de suas empresas investirem nas subsidiárias brasileiras. 

Estas, por seu turno, diante da recessão, veem seus lucros no Brasil desabarem, o que as impede de contribuir através do reinvestimento de lucros e dividendos no País, que historicamente respondem por 20% dos investimentos diretos. Para dar uma ideia de qual pode ser a queda total basta comparar a média dos últimos cinco anos, de US$ 60 bilhões por ano, com o ingresso de apenas US$ 25 bilhões durante a crise menos profunda de 2008/09. 

Erro #3: O argumento ignora os investimentos em carteira, que contribuem com mais de um terço dos ingressos na conta financeira e de capitais. Contrariamente aos investimentos diretos, estes são voláteis e sensíveis à percepção de risco por parte de investidores não residentes. Sempre tivemos ingressos líquidos, que em alguns anos atingiram US$ 60 bilhões e em outros perto de US$ 80 bilhões, mas a partir da perda do grau de investimento passamos a enfrentar saídas, que nos últimos 12 meses chegaram a US$ 60 bilhões, com grande aceleração após o início da pandemia e a piora da situação fiscal. A soma de investimentos diretos e em carteira já tornou a conta financeira e de capitais deficitária, e esse déficit deve aumentar.

Erro #4: O argumento ignora o efeito combinado nas contas correntes e de capitais. Com o retorno do déficit nas contas correntes e com o aumento da percepção do risco fiscal que eleva as saídas dos investimentos em carteira, há um aumento do déficit na balança de pagamentos que acentua a queda de reservas e deprecia o real. Em vez de limitar os gastos de reservas a 5% do PIB – o plano original de investimentos –, teremos uma perda adicional de reservas vinda do aumento do déficit no balanço de pagamentos.

Erro #5: Superávits no balanço de pagamentos levam à valorização cambial, enquanto déficits levam à depreciação. Ou seja, quanto mais ambicioso for o “programa de investimentos baseado em reservas”, maior será o déficit no balanço de pagamentos e mais intensa a depreciação cambial. Para estancar este movimento, o Banco Central seria condenado a elevar a taxa de juros em meio a uma recessão profunda.

Erro #6: Vender reservas para gastar em infraestrutura é igual a emitir moeda para o mesmo propósito, o que somente não seria um erro para os adeptos da MMT. 

Em conclusão, é melhor abandonar essa ideia estapafúrdia, que não faz o menor sentido.

*EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE

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