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Kosher ou halal: carne de laboratório tem selo?

Após milhares de anos de criação de animais para que a humanidade pudesse se alimentar, a perspectiva de produzir carne em laboratório parece ser um grande desafio técnico. Mesmo assim, para o empresário de tecnologia de alimentos Josh Tetrick, o sucesso depende não só de cientistas familiarizados com os últimos avanços em biotecnologia, mas também dos sábios dedicados aos detalhes das leis dietéticas religiosas.

Tetrick é o presidente executivo da Eat Just Inc, uma startup de São Francisco apoiada pelos bilionários Marc Benioff, Peter Thiel e o cofundador brasileiro do Facebook Eduardo Saverin, que está desenvolvendo carne cultivada em biorreatores em vez de fazendas. Ao contrário dos produtos à base de plantas da Beyond Meat e da Impossible Foods, a carne cultivada é produzida a partir de células animais, sendo estruturalmente idêntica à carne. “Do ponto de vista genético, do ponto de vista nutricional, é carne”, afirma Tetrick. “Você só não tem o componente do abate como uma parte do processo todo.”

Mas essa falta de derramamento de sangue cria todo tipo de questionamentos para muçulmanos e judeus religiosos que só comem carnes como as de boi, frango e cordeiro e de animais abatidos de acordo com regras estabelecidas há muito tempo. Por exemplo, a carne pode ser halal ou kosher se for cultivada em laboratório e não vier de um animal que foi abatido? Isso é mesmo carne? Esses não são questionamentos pequenos, uma vez que bilhões de pessoas em todo o mundo seguem crenças ou tradições que têm diretrizes rígidas sobre o preparo de carnes.

Tetrick está apostando que a tecnologia atual conseguirá cair nas graças das tradições antigas, inaugurando uma nova maneira de satisfazer o apetite voraz do mundo por proteínas. Em 2020, a Eat Just começou a vender nuggets de carne de frango cultivada em laboratório em Cingapura, e em dezembro recebeu permissão para lançar naquele mercado o peito de frango cultivado em laboratório.

A companhia, que levantou US$ 267 milhões em 2021, agora mira os consumidores muçulmanos – em agosto ela anunciou planos para construir uma unidade no Catar. Embora a Eat Just tenha consultado especialistas religiosos, ela ainda não conseguiu um selo de aprovação para esse novo tipo de carne. “É realmente uma questão importante, talvez mais importante até em razão do que vamos fazer no Catar. Mas ainda não temos esse selo”, diz Tetrick.

As gigantes do agrobusiness não estão esperando que essas questões sejam resolvidas para entrar nessa indústria, que ainda está em fase de desenvolvimento e poderá ser avaliada em US$ 25 bilhões até 2030, segundo a McKinsey & Co.

A JBS, maior fornecedora de proteína animal do mundo, através de marcas como Swift e Primo, acertou em novembro a compra da companhia espanhola de carnes cultivadas BioTech Foods por US$ 100 milhões.

A ADM Ventures, braço de investimentos da Archer-Daniels-Midland Co, coliderou um investimento de US$ 347 milhões na startup israelense Future Meat Technologies, segundo anunciaram as empresas em 20 de dezembro. A Cargill e a Tyson Foods, juntamente com Bill Gates e Richard Branson, são investidoras na Upside Foods, uma desenvolvedora de carnes cultivadas em laboratório da Califórnia.

Peito de frango cultivado em laboratório pela Future Meat — Foto: Reprodução

A carne cultivada estará fora do alcance dos seguidores praticantes do islamismo – a segunda maior religião do mundo, com cerca de 2 bilhões de adeptos – se as autoridades islâmicas decidirem que ela não é halal. A Nahdlatul Ulama, a maior organização muçulmana da Indonésia, fez justamente isso em setembro, afirmando em um comunicado que as células retiradas de animais vivos de depois cultivadas em biorreatores se enquadram “na categoria de carcaça, que é legalmente suja e de consumo proibido”.

O decreto religioso da Indonésia, a nação muçulmana mais populosa do mundo, poderá encorajar as autoridades de outros países a emitirem decisões parecidas. No Paquistão, o segundo maior país muçulmano, acadêmicos liderados por Muhammad Taqi Usmani, um especialista na lei islâmica, determinaram que a carne cultivada será permitida somente se as células animais vierem de animais abatidos de acordo a Sharia. No entanto, muitas startups dependem de linhas celulares que se original em animais vivos.

O setor também enfrenta um desafio com os judeus praticantes, uma vez que os rabinos ainda não chegaram a um acordo sobre se a carne pode ser kosher se não for de um animal morto por um abatedouro ritual. As autoridades judias também se preocupam com o uso do soro fetal bovino (SFB), extraído do sangue de fetos retirados durante o abate de vacas prenhas, para alimentar as células animais nos biorreatores.

O SFB poderia tornar a carne não kosher por causa de proibição de consumir sangue, afirma Joel Kenigsberg, um rabino da Sinagoga Unida de Londres, que estudou direito e ciência judaica na Universidade Bar-Ilan de Israel e presta consultoria a empresas sobre questões relacionadas aos preceitos da cozinha judaica. “Essa tecnologia é tão nova, tão inovadora, que tentar encontrar precedentes é o maior desafio”, afirma ele.

Não há nem mesmo um acordo sobre se os judeus devem considerar produtos cultivados em laboratório como carne, que não pode ser consumida com laticínios ou, como parece, uma categoria neutra que não é carne nem leite. “O que as companhias chamam não importa”, diz Avrom Pollak, presidente da Star-K Kosher Certification, uma organização de Baltimore que trabalha com clientes como Nestlé e Walmart. “Haverá alguns que dirão que não é realmente carne.”

Muitas empresas estão tentando deixar de usar o SFB. A Aleph Farms de Israel, que cultiva carne bovina sem abate, anunciou em 8 de dezembro uma parceria com a Wacker Biosolutions de Munique, voltada para alternativas não animais para inserir as células em biorreatores.

Para lidar com as preocupações sobre a carne livre de abate, a Future Meat Technologies usa linhas de células originadas em gado, frangos e cordeiros mortos ritualmente, segundo afirma Yaakov Nahmias, seu presidente. A Future Meat, que está buscando a aprovação reguladora da FDA, almeja ter seus frangos nos restaurantes até o começo de 2023 e espera que as questões religiosas sejam resolvidas até lá. “Já recebemos as visitas de várias grupos de rabinos. Estamos no bom caminho”, diz Nahmias, acrescentando que obter a certificação islâmica não será difícil. “A carne será kosher e halal”, diz ele.

Em Cingapura, cujo governo tem sido o mais rápido do mundo na aprovação da comercialização das carnes cultivadas, especialistas muçulmanos estão indo com calma. “Alimentos novos como esse são áreas novas na jurisprudência islâmica e exigem pesquisas, análises e interpretações religiosas apropriadas”, disse o Conselho Religioso Islâmico de Cingapura (IRCS) em um comunicado por e-mail. “Trata-se de um novo desenvolvimento que o IRSC está estudando cuidadosamente.”

Fonte: Pipeline Valor

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