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Por que o Japão está atrasado na vacinação?

Em julho de 2020, o Japão tem pouco mais de um terço da população com ao menos uma dose tomada da vacina contra o coronavírus.

Estados Unidos e União Europeia têm cerca de 56% da população com uma dose, Israel tem 66% e o Chile, 71%.

A taxa japonesa é menor até mesmo que a de países em desenvolvimento, como Brasil (45% vacinados com a primeira dose) e Argentina (50%).

O que levou o Japão, um dos modelos de contenção da pandemia, a estar tão atrasado na vacinação comparado aos demais países ricos?

A vacinação no Japão só engrenou no último mês — em parte pela necessidade de aumentar a proteção às vésperas das Olimpíadas, que trarão ao país mais milhares de atletas estrangeiros e comissão técnica, apesar da ausência de público.

  • Até agora, o Japão vacinou 35% da população com ao menos uma dose.
  • Mais de 23% dos residentes foram vacinados completamente.
  • No Brasil, a título de comparação, são 45% vacinados com uma dose, e 17% vacinados completamente.

A boa notícia para o governo japonês é que, em julho, a vacinação superou a meta do premiê Yoshihide Suga, que era de aplicar 1 milhão de doses por dia.

Em várias datas deste mês, o país aplicou mais de 1,3 ou 1,4 milhão de doses, ante menos de 800.000 doses diárias em maio.

O avanço fez o número de pessoas que tomaram ao menos uma dose chegar a 44,6 milhões de residentes do país. Mas analistas avaliam que o processo deveria ter sido mais rápido. A demora japonesa é explicada por questões técnicas e culturais.

Exigências regulatórias

Uma delas foi a exigência de que as vacinas fizessem testes locais, enquanto várias agências regulatórias estrangeiras apenas aceitaram os resultados de testes de eficácia feitos em outros países.

Mas o Japão não foi um destino popular para testar vacinas, uma vez que o contágio no país foi baixo em boa parte da pandemia (o Brasil, pelo alto número de casos, foi palco de testes das vacinas de Pfizer, Janssen, AstraZeneca/Friocruz e Coronavac/Butantan).

A exigência regulatória japonesa terminou atrasando a aprovação das vacinas e o início da imunização.

A Pfizer só foi aprovada para uso em fevereiro, enquanto países ricos começaram a vacinar ainda em dezembro. O pior: a empresa testou no Japão cerca de 160 pessoas, o que fez críticos apontarem que a exigência de testes extras com um número tão baixo de voluntários não gerou nenhum benefício além de atraso.

As vacinas da Moderna e da AstraZeneca também só ganharam autorização em maio. E a aplicação da AstraZeneca foi praticamente paralisada logo depois em meio ao temor de coágulos raros — o governo japonês tem doado milhões de doses a outros países.

Como outros países desenvolvidos, o Japão comprou mais vacinas do que o tamanho de sua população (foram 344 milhões de doses), mas com os atrasos, só em maio a maior parte das vacinas compradas começou a chegar.

Das doses compradas, são 194 milhões da Pfizer, 120 milhões da AstraZeneca e 50 milhões da Moderna.

População cética

O motivo de tantas exigências também vem do sentimento anti-vacina da população, um dos piores do mundo.

Nos anos 1990, o governo japonês chegou a ser processado por efeitos colaterais de vacinas obrigatórias. Recentemente, o país também deixou de recomendar a vacinação obrigatória contra o HPV, devido a efeitos colaterais raros associados às vacinas, embora esses imunizantes sejam amplamente usado em todo o mundo e vistos como seguros.

Pesquisa global do Imperial College de Londres e da empresa de opinião pública YouGov em maio mostrou que no Japão menos de metade (47%) da população confiava na vacina contra a covid-19. Foi o país com o menor nível de confiança entre 15 pesquisados, ao lado da Coreia do Sul, outro país onde a vacinação engatinha.

O premiê Suga defendeu no início do ano que a exigência de testes extras antes de começar a vacinação no Japão e a relativa demora em relação a outros países serviria para aumentar a confiança da população. Mais tarde, em meio à preocupação com as variantes, reconheceu que o processo precisaria ser mais rápido.

Há ainda ceticismo adicional pelo fato de todas as vacinas terem sido feitas por farmacêuticas estrangeiras, embora haja doses feitas em parceria com empresas japonesas localmente — a AstraZeneca tem parceria com a japonesa JCR e a Takeda vai produzir vacinas das americanas Moderna e Novavax.

Algumas empresas japonesas também começaram pesquisas para vacinas próprias, e a japonesa Shionogi espera ter um imunizante nacional aprovado. No entanto, o setor de desenvolvimento de vacinas não está entre os mais populares do Japão por ser um processo caro, demorado e com pouco apoio do governo local devido à resistência da população.

Falta de enfermeiros

Outro dos fatores que prejudicou a campanha de vacinação japonesa foi a falta de profissionais. Pela regulação do país e uma cultura médica mais conservadora, somente médicos e enfermeiros podem aplicar vacinas.

Mas esses profissionais estão em falta para uma campanha de imunização das proporções do coronavírus. O caso chegou a fazer o governo japonês autorizar que dentistas também aplicassem as doses.

Em países como o Reino Unido, que também corria o risco de falta de mão de obra para a vacinação (que foi muito mais acelerada no país), outros profissionais da área de saúde com apenas um treinamento breve foram autorizados a vacinar. Mas um plano do tipo é visto como impensável no Japão.

Como foi o combate à pandemia no Japão?

O Japão foi um dos países modelo na contenção da pandemia antes das críticas à vacinação.

O aspecto cultural, com o uso de máscaras já disseminado, ajudou. Mas também as políticas rígidas de testagem, rastreio e lockdowns localizados quando necessário.

  • Com 126 milhões de habitantes, o Japão teve pouco mais de 15.000 mortes causadas pela covid-19;
  • O Brasil, com 210 milhões de pessoas, supera as 540.000 vítimas;
  • Os EUA, com 330 milhões, também passou dos 610.000 mortos. 

A tragédia do tsunami em 2011 fez mais vítimas no Japão do que o coronavírus: morreram no episódio ao menos 19.000 pessoasemail

O Japão não é o único. Uma série de países da Ásia que contiveram bem a pandemia no início, como Singapura, Coreia do Sul e Vietnã, além de outros com estratégias elogiadas, como Austrália e Nova Zelândia, demoraram a começar a vacinar.

  • A fatia de vacinados na Ásia é de 27% da população, segundo o site Our World In Data, da Universidade de Oxford com base em dados dos países;
  • Na Oceania, é de 22%;
  • O número é inferior a América do Sul (40%), América do Norte (46%) e Europa (47%). 

Até agora, tais países tinham feito quarentenas rigorosas, mas estratégicas e curtas, além de testagem em massa. A busca foi por “eliminar o vírus”, e deu certo por bastante tempo: tal cenário possibilitou a esses países ficarem com negócios abertos e liberdades preservadas em parte significativa da pandemia, enquanto outras potências ocidentais viviam cenários de guerra.

Mas com a vacinação ainda no início e novas variantes importadas do exterior, o risco é que a estratégia de medidas não-farmacológicas nesses países, sozinha, não seja capaz de conter uma escalada nos contágios.

O número de casos de covid-19 na Ásia subiu mais de 50% desde o fim de junho. 

Ligas nacionais como a de baseball já recebem público com 50% da capacidade, com mais de 5.000 torcedores podendo comparecer aos jogos. Cantos, no entanto, estão proibidos desde então, de modo a tentar barrar a disseminação do vírus pelo ar.

Parte da opinião pública no Japão defendeu que ao menos alguns torcedores locais pudessem assistir aos jogos, o que não foi autorizado na maior parte dos casos, sobretudo em Tóquio.

Atletas não vacinados

Nem todos os atletas foram vacinados e a vacinação não é obrigatória para competir, devido à falta de doses em boa parte dos países de origem dos esportistas.

Mas a maior parte já está imunizada, ao menos com uma dose. O Comitê Olímpico Internacional estimou em junho que mais de 80% dos mais de 11.000 atletas estavam vacinados ou parcialmente vacinados.

O risco da Olimpíada

Há uma preocupação no Japão com a possibilidade de as Olimpíadas espalharem ainda mais as novas variantes. No entanto, analistas apontam que o protocolo olímpico será mais rigoroso até mesmo do que o imposto aos japoneses internamente, e que é improvável que a Olimpíada em si seja um grande causador de caos na saúde japonesa.

As quarentenas para os atletas vindos de fora foram rígidas, e a ausência de público nos locais de competição — com exceção de alguns jogos em cidades fora de Tóquio — não necessariamente se repete em campeonatos locais.

Atletas diagnosticados com covid-19 durante os jogos não poderão mais competir, e todos estão proibidos de deixar a Vila Olímpica — com exceção dos que já estão se hospedando fora do alojamento.

A dúvida é como a organização, que tem argumentado que será rígida no cumprimento dos protocolos, lidará caso um atleta infectado contamine ou coloque sob suspeita outras estrelas. Com a Olimpíada rejeitada por mais de 70% da população em algumas pesquisas, o risco para o governo japonês é ser responsabilizado caso haja uma piora da pandemia. O desafio será grande.

Fonte: Exame

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