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Com caixa curto, nova safra de prefeitos terá que dar choque de gestão

O empresário Wilson Poit, diretor do Sebrae de São Paulo, já perdeu a conta de quantos candidatos a prefeito o procuraram neste ano em busca de conselhos. Com a proximidade das eleições, as sessões de mentoria aumentaram. Só nos últimos meses Poit participou de mais de 30 videoconferências, com dezenas de candidatos, sobre um tema no qual se especializou nos anos em que se dedicou à gestão pública, após uma bem-sucedida trajetória no setor privado: o mapeamento e a venda de imóveis municipais. “Muitas prefeituras estão sentadas em cima de uma mina de ouro e não sabem”, diz Poit, que esteve à frente dos programas de privatização e concessões na prefeitura de São Paulo, de 2013 a 2018, nas gestões de Fernando Haddad, do PT, e João Doria, do PSDB.

Outro mentor requisitado nestes meses que antecedem as eleições de novembro, postergadas pela pandemia, é Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, que semanalmente participa de reuniões virtuais com candidatos a prefeito e a vereador dos mais diferentes matizes políticos. O que eles querem saber? Como fazer com que prefeituras quebradas ofereçam melhores serviços aos cidadãos. “Nunca a situação financeira das prefeituras foi tão difícil, mas há oportunidades que, se bem exploradas, podem tornar uma gestão mais eficiente”, diz Hartung, com a bagagem de oito mandatos.

Já a organização não governamental Comunitas, especializada em gestão pública, criou uma série com mais de 60 horas de videoaulas que abordam temas como finanças públicas e desenvolvimento econômico. “A procura tem sido imensa”, diz Thiago Milani, diretor de projetos da Comunitas. Mais de 650 pessoas, a maioria candidatos a uma vaga de prefeito, de quase 90 cidades, já assistiram ao curso.

Para quem disputa um mandato pela primeira vez ou tenta a reeleição, não há segredos. Com as finanças dilaceradas, boa parte dos 5.570 municípios brasileiros não tem capacidade de investir. Nos primeiros quatro meses de 2020, 806 haviam estourado o limite imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece que eles devem gastar menos do que 54% da receita corrente líquida com pessoal, incluindo encargos sociais, de acordo com levantamento da Confederação Nacional dos Municípios.

Outras cerca de 1.300 cidades estavam em situação emergencial ou prestes a romper o teto legal. “A folha de pagamentos de ativos e inativos esmagou a capacidade de investimento ou de expansão de políticas públicas da maioria dos municípios”, diz Hartung, que participa de movimentos de renovação política, como o RenovaBR.

Na pandemia, a situação piorou ainda mais. O aumento das despesas, principalmente em saúde e assistência social, deve chegar a quase 20 bilhões de reais neste ano nas cidades com mais de 100.000 habitantes, segundo cálculos da Frente Nacional de Prefeitos. Na outra ponta, a arrecadação caiu 20% por causa do isolamento social e do fechamento do comércio. “Certamente, a pandemia trouxe novos desafios aos futuros prefeitos, mas boa parte dos problemas já é bem conhecida”, diz Jonas Donizette (PSB), prefeito de Campinas, no interior de São Paulo, e presidente da Frente Nacional de Prefeitos.

Uma vez que boa parte dos problemas gira em torno da falta de recursos, o jeito tem sido procurar novas fontes de receita — mesmo que elas estejam esquecidas dentro da própria prefeitura. Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, o prefeito Antônio Duarte Nogueira (PSDB) decidiu fazer uma limpa no estoque de imóveis do município. Encontrou 3.000 imóveis sem escritura ou com documentação irregular.

A prefeitura, então, decidiu contratar uma empresa especializada na regularização fundiária para conseguir levar a operação adiante. Até agora, foram vendidos 33 ativos, arrecadando assim 40 milhões de reais. Em um dos terrenos já vendidos, de mais de 10.000 metros quadrados, estão sendo construídas 82 moradias populares. Uma construtora pagou 4 milhões de reais pelo lote. A comercialização dos ativos foi importante para equilibrar as contas do munícipio, que deverá terminar o ano de 2020 no azul. Mais de uma dezena de imóveis está com a documentação pronta para ir a mercado no ano que vem. “É um trabalho que exige tempo e paciência, mas que dá excelentes resultados”, afirma Duarte Nogueira, que concorre à reeleição.

O prefeito de Ribeirão foi um dos que se inspiraram na experiência da capital paulista. Na prefeitura de São Paulo, Poit e sua equipe conseguiram mapear dezenas de imóveis e regularizar a documentação para os leilões. “As escrituras costumam estar espalhadas em diversas secretarias. Algumas são tão antigas que datam da época do Império”, diz Poit. Neste ano, apenas a venda de um lote abandonado de vilas de mais de 500 metros quadrados em um dos bairros mais nobres de São Paulo, o Itaim Bibi, rendeu mais de 11 milhões de reais aos cofres públicos.

No cardápio para os futuros prefeitos, novas regras devem incentivar também os projetos de PPPs e concessões. Um levantamento da consultoria Radar PPP mostra que as parcerias entre municípios e a iniciativa privada deram uma arrancada nos últimos anos. Se em 2015 havia 321 iniciativas anunciadas, projetos em andamento e contratos assinados em todo o Brasil, esse número subiu para 1.718 até 16 de setembro, o que representa 64% do total no país. A expectativa é de um novo salto nos mandatos que começam em 2021.

Hoje, as PPPs de iluminação pública estão em alta. Cidades como Campinas e Petrolina estão em processos de consulta pública. Elas querem repetir os exemplos de Vila Velha, no Espírito Santo, e Uberlândia, em Minas Gerais. A cidade mineira, por exemplo, assinou no começo deste ano o contrato de modernização da rede pública de iluminação com o grupo francês Engie, que vai substituir 87.000 luminárias de vapor de sódio por lâmpadas de LED. As primeiras trocas começaram em abril, no auge da pandemia, e devem ser concluídas ao longo de dois anos.

O município pagará cerca de 1 milhão de reais por mês durante a vigência do contrato de 20 anos, mas nenhum real sairá do caixa geral da prefeitura. Todo o dinheiro virá da chamada CIP, Contribuição de Iluminação Pública, uma taxa criada pela Constituição de 1988 que permite aos municípios cobrarem o custeio do serviço de iluminação nas vias públicas. Antes recolhida pelas distribuidoras de energia, em 2015 a contribuição passou a ser administrada pelas prefeituras, que estão trocando contratos de simples manutenção da atual rede por PPPs de sistemas mais modernos.

Em Uberlândia, em média, são cobrados 15 reais por residência de CIP. A perspectiva é que, com a renovação da rede, o consumo de energia nos postes seja reduzido em 43% e esses ganhos sejam compartilhados com a população no futuro, permitindo uma redução da taxa cobrada na conta de luz. “Prefeituras do Brasil inteiro nos procuram para saber como fazer”, conta o secretário municipal de Meio Ambiente e Serviços Urbanos, João Batista Ferreira Junior. Já as empresas estão à caça dos melhores projetos. “Procuramos oportunidades em cidades médias, com projetos bem estruturados que vão além da simples troca de lâmpadas, mas demandem também soluções para cidades inteligentes”, diz Leonardo Serpa, presidente da Engie Soluções.

 (Arte/Exame)

Outra frente com grande potencial veio com a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento, em junho. Até então os contratos entre os municípios e as companhias estaduais de água e esgoto, as principais detentoras do mercado bilionário de sanea­mento, podiam ser renovados automaticamente — independentemente da qualidade do serviço oferecido à população. Agora, não mais. Os novos certames precisarão passar por licitação, o que vai atrair a participação da iniciativa privada. “Há diversos contratos vencendo até 2022”, afirma Carlos Henrique da Cruz Lima, presidente do Conselho da Águas do Brasil, empresa de saneamento que opera em 14 cidades. “As novas licitações devem gerar um bom volume de recursos para as prefeituras.”

De acordo com a nova legislação, apenas os municípios com 90% de seu território atendido pelo abastecimento de água e 60% de tratamento de esgoto poderão renovar os contratos com as companhias estaduais. Atualmente, só 6% das cidades brasileiras cumprem esses requisitos. O marco regulatório também prevê a universalização do saneamento até 2033, com metas definidas para os prestadores do serviço em relação à extensão do atendimento à população e à qualidade do serviço — outra novidade.

Apenas 50% da população brasileira tem acesso a coleta de esgoto e 70% a água potável. São indicadores piores do que os do Iraque, país que passou por várias guerras nos últimos 20 anos. Cálculos do governo federal apontam que, com o novo marco legal do setor, os investimentos deverão chegar a mais de 40 bilhões de reais por ano até 2033.

O novo marco legal também deve ajudar gestores públicos que até tentaram fazer diferente, mas esbarraram nas tradicionais pressões que assolam o setor público. A prefeita de Pelotas, no Rio Grande do Sul, Paula Mascarenhas (PSDB), tentou emplacar uma PPP de saneamento no atual mandato. A proposta foi rejeitada pela Câmara de Vereadores da cidade, que acolheu as pressões dos servidores públicos do Sanep, Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas, autarquia que gere os serviços de água, esgoto e coleta de lixo na cidade.

Apesar de apenas 18% do esgoto coletado de Pelotas ser tratado, os vereadores preferiram manter o serviço a cargo da autarquia. Mascarenhas também tentou levar adiante uma PPP para iluminação pública, que foi igualmente vetada pelos legisladores. “Houve muita resistência e, infelizmente, não conseguimos avançar com essa agenda”, diz Mascarenhas, que tenta a reeleição em 2020. Com uma dívida de 200 milhões de reais em precatórios a ser saldada até 2024 e o déficit do regime previdenciário municipal, as finanças de Pelotas estão comprometidas. “Sobra pouco para investimentos.”

De fato, o tempo joga contra boa parte dos gestores públicos. As prefeituras que tentam vender imóveis ou terrenos gastam anos apenas para arrumar a papelada antes dos leilões dos ativos. Já um projeto de PPP ou concessão no Brasil leva, em média, 24 meses entre o anúncio e a efetiva assinatura do contrato — sem contar o risco de suspensão por pendências judiciais no meio do caminho. “O prefeito que quiser fazer uma PPP ou uma concessão de um serviço público precisa adotar essa agenda desde o primeiro dia de seu mandato”, afirma Bruno Pereira, sócio da consultoria Radar PPP.

Embora nada seja fácil no setor público, outra frente que vem ganhando popularidade entre os prefeitos é atacar a burocracia por meio da tecnologia. As cidades vêm descobrindo que reduzir a papelada e digitalizar os serviços públicos pode ser uma estratégia importante para cortar gastos. No governo federal, mais da metade dos 3.549 serviços prestados pela União já estão disponíveis online, gerando uma economia anual de 2,3 bilhões de reais para os cofres públicos. Não seria diferente nas prefeituras. “Mas, do mesmo modo que a venda de ativos, trata-se de um processo contínuo que necessita de gente dedicada e muito foco”, diz Milani, da Comunitas.

Em Santos, a digitalização dos serviços públicos ganhou tração há seis anos. Primeiro, foi preciso mapear todos os processos que poderiam dispensar a presença física, assinaturas e papelada. Uma equipe de técnicos e engenheiros da prefeitura criou o modelo de gestão que norteou o processo. Em seguida, a prefeitura lançou uma licitação para contratar uma empresa especializada na criação e na manutenção de softwares de digitalização de serviços públicos. Os recursos foram obtidos por meio de uma linha de crédito de 2,7 milhões de reais do BNDES.

Até agora, 80% dos serviços já foram digitalizados, entre eles as solicitações de certidões de quitações de débitos municipais, de alvarás de funcionamento de empresas e escrituras de imóveis. Com isso, houve uma economia de 2 milhões de reais em cinco anos. Também foi possível realocar servidores antes dedicados ao carimbo em funções mais úteis. “A digitalização dos serviços foi fundamental para enfrentarmos a pandemia sem paralisar a prefeitura”, diz Adriano Leocádio, secretário de Gestão de Santos. Durante o período de isolamento, foram criados serviços digitais para empresas em dificuldades, como a solicitação de desconto em impostos municipais.

O caos provocado pela pandemia do coronavírus colocou ainda mais em evidência as carências do sistema de saúde e a necessidade de políticas públicas capazes de facilitar a retomada econômica. Uma pesquisa EXAME/IDEIA, com 800 eleitores da cidade de São Paulo, mostra que as principais ações esperadas do próximo prefeito da maior cidade do país são justamente melhorar o sistema de saúde e recuperar a economia e o emprego local.

Apesar de saber o que quer, o eleitor ainda não tem clareza de quem pode transformar seus anseios em realidade. Na pesquisa realizada entre os dias 19 e 22 de setembro, 55% das pessoas ouvidas não sabiam indicar espontaneamente um candidato. “A corrida eleitoral ainda não começou na cabeça do eleitor”, diz Maurício Moura, fundador do IDEIA, instituto de pesquisa focado em opinião pública. Já nas perguntas estimuladas (em que é oferecida uma lista de candidatos ao eleitor) o atual prefeito Bruno Covas (PSDB) e o candidato Celso Russomano (Republicanos) estão tecnicamente empatados nas intenções de voto: 22% e 21%, respectivamente, seguidos por Guilherme Boulos (PSOL), com 11%, e Márcio França (PSB), 10%. Em cenário de um segundo turno, Covas leva a melhor e ganha dos três adversários.

A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais a mais ou a menos. A menos de dois meses das eleições, os candidatos terão de correr para convencer os eleitores de que suas ideias são as melhores para uma cidade com problemas complexos, como São Paulo. Mas seja numa metrópole ou numa cidade do interior do país, há uma certeza: sem um choque de gestão, não há muito o que ser feito.

Fonte: Exame

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