No fim de julho, a plataforma brasileira de soluções para comércio eletrônico Vtex levantou US$ 361 milhões (cerca de R$ 1,9 bilhão) em uma oferta pública inicial (IPO) de ações na Bolsa de Nova York (NYSE), nos EUA.
A escolha pelo mercado americano não foi por acaso. Em entrevista ao GLOBO, os fundadores e copresidentes Geraldo Thomaz e Mariano Gomide de Faria explicam que é parte da estratégia da Vtex se consolidar como uma multinacional brasileira e uma referência para o varejo na América Latina.
A partir daí, o plano é traçar novas rotas nos EUA, Europa e Ásia. Para os executivos, a pandemia acelerou o e-commerce, mas o setor pode quintuplicar em cinco anos nos países latino-americanos, independentemente do cenário econômico.
No entanto, um gargalo se apresenta claramente para eles: a falta de mão de obra adequada ao desenvolvimento da economia digital.
O que vem depois do IPO?
Thomaz: A perspectiva é ser nos próximos cinco anos a espinha dorsal de comércio da América Latina. A ideia é ser bastante relevante para fazer com que o varejo moderno tenha que estar conectado com a Vtex de alguma forma. Essa é a nossa ambição, e estamos aqui agora plantando sementes para esta próxima fase.
Qual é a próxima fase?
Thomaz: É crescer fora da América Latina. Estamos plantando sementes na Europa e nos Estados Unidos.
Por que fazer IPO em NY e não na Bolsa de São Paulo, a B3?
Thomaz: A empresa tem um pouco mais de 50% da receita vinda do Brasil. É verdadeiramente uma multinacional. Num futuro próximo, esse percentual pode ser diluído ainda mais. A maior parte da receita não virá do Brasil nos próximos poucos anos. Estamos bem distribuídos geograficamente, e empresas globais naturalmente acessam melhor os investidores adequados a partir de Nova York.
Faria: As empresas globais de tecnologia estão majoritariamente listadas em Nasdaq ou NYSE, e nos consideramos uma empresa global.
O que mudou na forma de comprar? Há alguma tendência a partir das mudanças vistas na pandemia?
Thomaz: Muita gente que estava adiando projetos digitais acelerou quando o canal e-commerce passou a ser o único disponível em meio a uma pandemia. Todo mundo viu o poder do canal. A gente vê agora um monte de varejistas começando a entregar a partir da loja física, usada como apoio à experiência digital.
Isso era muito segregado antes da pandemia. Existia a área do e-commerce e a de varejo físico. A pandemia foi a pá de cal nesse modelo, para que os varejos não deixem o digital apartado. Ele hoje faz parte da estratégia de vendas das empresas.
E o impacto na Vtex? Demoraria mais o IPO sem a pandemia?
Thomaz: A pandemia teve impacto direto no crescimento da Vtex. Crescíamos em média 40% nos últimos anos e, em 2020, crescemos pouco menos de 100%, descontada a variação do câmbio.
Há um espaço a ser explorado na América Latina?
Faria: Sim. Os EUA têm quase 20% do varejo via e-commerce e a China, 42%. A América Latina tem apenas 6%. Está muito no início da jornada de penetração do e-commerce. Muitas categorias que não entravam antes no e-commerce agora estão a todo vapor. Este mercado vai quintuplicar na América Latina.
Como estão se preparando para atingir mercados tão distintos?
Faria: Buscamos uma start-up local. Acreditamos na diversidade cultural por conceito. Se vamos para a Romênia, por exemplo, procuramos a melhor equipe lá. Temos atuação em 32 países, mais de 2 mil clientes corporativos.
Como veem o cenário do Brasil hoje para investir? Quais as preocupações?
Thomaz: Já passamos por diversas crises. Naturalmente somos afetados pela macroeconomia do país, mas de forma muito marginal. Não vou dizer que não gostaria que nosso país fosse mais estável, mais previsível, com menos excesso de carga tributária. Mas nunca teve uma correlação entre o crescimento do nosso negócio e uma crise.
Por quê?
Thomaz: Porque é um nicho de muito crescimento, e considero a VTex uma tecnologia um pouco disruptiva. Quando tem crise, as pessoas procuram por soluções mais eficientes de custo, e a gente é isso em relação à competição.
A situação do Brasil não afeta?
Faria: O brasileiro gosta de se comparar com os melhores países em cada dimensão. Quando a gente fala em empregabilidade, por exemplo, a gente se compara com EUA, só que a gente esquece que o Brasil é um país muito melhor nesse sentido do que toda a Europa.
O Brasil hoje está em posição de brigar de igual para igual com qualquer centro de serviços no mundo (em termos de mão de obra). É o líder natural para América Latina em digital commerce, e a América Latina hoje é referência mundial de serviço para comércio eletrônico.
Como está mão de obra na área digital? Falta gente?
Faria: O talento digital é o principal recurso em escassez, que vai frear a digitalização mundial. O talento digital hoje está escasso no mundo inteiro. Em qualquer país, qualquer CEO que você perguntar vai dizer que o principal problema é que não consegue contratar os talentos digitais simplesmente porque não existe faculdade de talento digital. Em cinco anos, 100% das empresas terão um serviço ou produto para o qual desejarão contratar talento digital, e isso é um problema.
Há sete anos, quando vimos isso, fizemos vários programas para treinar. Um deles é um desafio universitário, onde trazemos o jovem que estava ambicionando ir para o banking (setor financeiro), logo no início da faculdade. Outro é o que contrata formandos para um programa de um ano e meio que combina horas em sala com trabalho.
E por que investir em cem pessoas para daqui esse tempo? Porque se eu não fizer, não haverá talento para a Vtex.
Fonte: O Globo