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Falta de peças força indústria a adaptar produção, rever lançamentos e reajustar preços

Problemas no fornecimento de matérias-primas e componentes, principalmente semicondutores, estão obrigando fabricantes de eletrônicos, equipamentos médicos, automóveis e outros produtos industriais a rever cronogramas de lançamentos, estocar peças e adaptar a produção.

Na última sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mais de 60% dos empresários entrevistados apontaram a falta de insumos e a alta dos custos como os principais problemas que ameaçam a recuperação do setor, um dos que mais emprega. Com a redução da oferta de componentes, os custos estão subindo.

Em 12 meses, o Índice de Preços ao Produtor (IPP), do IBGE, acumula alta de quase 36%, que já começa a ser repassada para o consumidor. TVs e videogames, por exemplo, subiram só este ano 14,4% e 11,6%, respectivamente.

Em tempos normais, a taxa relacionada à falta de insumos na sondagem da CNI ficava em torno de 18%, segundo Renato Fonseca, economista-chefe da da entidade. Antes da pandemia, a carga tributária era a principal preocupação dos empresários. Nos últimos quatro trimestres, a falta de componentes se tornou o problema mais citado.

Montadoras sofrem com falta de chips Foto: Agência O Globo
Montadoras sofrem com falta de chips Foto: Agência O Globo

No terceiro trimestre de 2020, a parcela da indústria sofrendo com o problema subiu para 57,8% e vem se mantendo acima de 60% desde o fim do ano passado. No segundo trimestre de 2021, ficou em 63,8%, com um leve recuo em relação aos 67,2% do início do ano.

— Desde último trimestre do ano passado, as sondagens vêm mostrando estoques abaixo do planejado. É um indicador de vulnerabilidade frente a qualquer demanda pontual inesperada. É um sintoma dessa situação. — afirma Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o desenvolvimento industrial (Iedi).

A falta de insumos na indústria, o primeiro setor a esboçar reação à crise do coronavírus, é fruto da desorganização de cadeias produtivas em todo o mundo provocada pelas restrições da pandemia.

Apesar de a escassez atingir matérias-primas de diferentes origens, a questão dos semicondutores é mais complexa.

Como os chips são hoje parte essencial de diferentes tipos de produtos, a escassez global vem obrigando empresas dos mais variados setores a rever o cronograma de lançamentos, mudar processos de produção, buscar novos fornecedores e até reservar estoques para atender a todos os clientes.

E tudo indica que os problemas na oferta desses componentes podem perdurar ao longo dos próximos dois anos.

Entrega em 32 semanas

Segundo a consultoria IDC, as entregas de semicondutores no Brasil estão levando até 32 semanas e vêm acompanhadas de custos até 40% maiores.

Os reflexos econômicos começam a aparecer. Além da alta nos preços, a indústria praticamente não cresceu este ano, com a produção oscilando entre quedas e pequenas altas até maio, funcionando como um freio para atividade.

A falta de semicondutores afeta a produção de veículos em todo o mundo Foto: Agência O Globo
A falta de semicondutores afeta a produção de veículos em todo o mundo Foto: Agência O Globo

— A indústria tem demanda, mas com estoques baixos, não consegue atender por falta de insumo. Logo, com produção menor, temos menos PIB (Produto Interno Bruto) — diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro da FGV.

Ela acrescenta:

— É um cenário favorável para reajuste do preço dos bens duráveis. A inflação já está alta, estamos prevendo perto de 7% este ano, e tem mais essa pressão. Isso tira poder de compra e diminui o consumo.

Segundo Fonseca, da CNI, o choque de oferta nos semicondutores chama mais a atenção, mas a falta de matéria-prima é generalizada. Faltam também insumos como papel, plástico e material de construção.

Pela sondagem, os setores que estão com os níveis de estoque mais baixo são os de equipamento de transporte, eletrônicos, veículos, couro e madeira.

— As lojas vendem o que têm em estoque, procuram não aceitar encomendas. Não sabem quando poderão entregar — observa Fonseca.

Cagnin, do Iedi, alerta que a produção industrial brasileira, após esboçar uma reação, estagnou neste ano. Em janeiro ficou parada, caiu até abril e cresceu em maio, indicando que a alta de 7% esperada para este ano se deve em grande parte à recuperação do tombo de 4,5% em 2020.

— O setor está patinando, a contribuição positiva está vindo da (indústria) extrativa, com a demanda maior por minério — analisa o economista.

Uma das principais fabricantes de eletrônicos de segurança, energia e comunicação, a Intelbras se aproximou de parceiros tecnológicos para garantir prioridade no abastecimento. A estratégia, diz Ado Rafael Feijó, diretor de Suprimentos, foi antecipar os pedidos para ter mais clareza na entrega das quantidades e datas:

— Isso vem dificultando a geração de estoques e limita a expansão de linhas de produto como Redes e Câmeras IP.

Na Philco, a crise dos semicondutores afetou o cronograma de lançamentos, segundo Wesley Cruz, de Desenvolvimento de Produtos:

— Em alguns fornecedores, o tempo de entrega dobrou ou triplicou. Acho que só vai começar a melhorar no primeiro trimestre de 2022.

Reajustes de até 30%

Na área de eletrônicos, o dólar alto também influencia nos reajustes de até 30% pelos fabricantes registrados no primeiro semestre do ano que já chegou ao varejo.

Eduardo Salem, diretor-geral de Operações da Fast Shop, rede com 85 lojas no país, diz que não há mais a falta de produtos vista no início da pandemia, mas reduções nos volumes.

— Alguns fabricantes globais vêm priorizando os mercados mais desenvolvidos, onde a demanda já é maior, afetando assim os outros países.

A Kingston, uma das maiores fabricantes e comercializadoras de produtos de armazenamento de memória do mundo, trabalha hoje com estoque de oito meses a um ano. Para Paulo Vizaco, diretor executivo da Kingston Brasil, a demanda do segmento de games, por exemplo, vem dobrando ano a ano:

— Preferimos vender menos e atender a todos os clientes. Se deixar, vendemos tudo em uma semana. Estamos fazendo esse controle e dando prioridade a projetos do setor de saúde e de videoconferência.

Todo mundo quer chip

Os fornecedores de semicondutores também estão se adaptando. Carlos Buarque, diretor de Marketing da Intel, afirma que a oferta de chips só começa a se regularizar em 2023.

Até lá, a estratégia foi dar prioridade a segmentos como o de informática em geral e de servidores para empresas em detrimento de outros, como os de automóveis e de IoT (produtos conectados do segmento chamado de internet das coisas).

— Passou a ter fila de espera em alguns setores. No caso de celulares, o impacto foi mais no volume de itens e não nos lançamentos. Não vendemos mais por falta de produção — explicou Buarque, lembrando que a Intel está investindo US$ 20 bilhões na ampliação de duas fábricas nos EUA.

Em outra gigante de tecnologia, a Qualcomm, a previsão é de que alguns setores enfrentem problemas até o fim de 2022. O CEO global Cristiano Amon diz que a companhia vem investindo no aumento de capacidade de fornecedores. A empresa, segundo ele, mudou processos para permitir que um mesmo produto pudesse ser produzido em duas ou três fabricas diferentes:

— Se existir alguma empresa hoje no mercado de semicondutores que não tem problema de oferta, tem que ficar preocupado com essa empresa, porque há mais demanda que oferta em todos os produtos.

Risco na área médica

A escassez de semicondutores é vista com preocupação na área médica. Carlos Costa, sócio da LUX Healthcare, representante na América Latina da WV Medical, empresa que vende equipamentos médicos para Ásia, Europa e EUA, diz que os preços de equipamentos já subiram em média 50%:

— O problema é que o preço subiu tanto que muitas empresas pararam de investir em novos equipamentos.

Costa lembra do recente alerta do presidente global da companhia Phiplips Eletronics, Van Houten, de que o problema na indústria automobilística, que teve de parar sua produção, pode se repetir em equipamentos médicos:

— Os principais fabricantes estão preocupados até porque não é algo simples aumentar a produção de chips. Existe todo um controle rigoroso. Um chip de US$ 50 defeituoso pode fazer um respirador de U$ 25 mil deixar de funcionar.

Consumo e geopolítica

Além do impacto da pandemia na produção global de semicondutores — um tipo de produto com baixo nível de estoque porque sofre atualizações tecnológicas constantes —, a escassez é também fruto da mudança de comportamento das famílias, que estão consumindo mais aparelhos digitais, das empresas, que aceleraram a digitalização, e da disputa geopolítica pelo domínio tecnológico protagonizada por EUA e China.

Isso torna os semicondutores uma questão de segurança nacional, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi):

— Essa indústria está no meio de uma disputa tecnológica cada vez mais relevante entre EUA e China por acesso a tecnologias, semicondutores e microprocessadores. Além das questões mercadológicas, há um caráter geopolítico muito forte.

A produção global de chips está concentrada na Ásia e nos EUA. Para países emergentes como o Brasil, a situação fica mais difícil na disputa pelas peças cobiçadas, observa Reinaldo Sakis, da consultoria IDC:

— É uma visão política também, já que o Brasil vai sendo preterido da lista. Os mercados emergentes estão sofrendo mais, pois a pandemia ainda está mais severa e com menor vacinação em relação aos países desenvolvidos.

Fonte: O Globo

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