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“Já batemos no fundo do poço e estamos começando a recuperar”

Entrevista com Octavio de Lazari Junior*

Presidente do Bradesco fala sobre a situação econômica do País, inadimplência, reformas, big tech, PIX, fintechs, o grupo Elopar e meio-ambiente

Conversar com o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, é como correr contra o tempo. Afinal, diante do tamanho e da força do banco para a economia brasileira, é necessário passar pelos mais variados assuntos para entender os impactos do coronavírus e os próximos passos da instituição financeira baseada na Cidade de Deus, em Osasco (SP).

Da atual situação econômica do País até as reformas que devem ser votadas no Congresso; de infraestrutura até a temida volta da CPMF; de bolsa até juros e dívida fiscal; de WhatsApp até fintechs e as big tech; das empresas do grupo Elopar até plataformas de investimento; de meio ambiente até as práticas ESG. Lazari Junior falou ao NeoFeed por videoconferência e detalhou cada ponto.

Na longa entrevista, que passou voando, o executivo explicou como se aproximou dos concorrentes Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, e Sergio Rial, presidente do Santander, durante a crise do coronavírus; disse que “a Cielo perdeu o bonde da história e necessita de um turnaround”, detalhou as ações em favor do meio-ambiente e a questão do ESG, e comentou sobre o PIX e a entrada do WhatsApp no setor de pagamento instantâneo.

“O que me preocupa e sempre me preocupou são as big tech. Elas têm uma capacidade de processamento de dados incomensurável, muito grande”, disse Lazari Junior. Sobre o retorno da CPMF e sua tributação em cascata na cadeia produtiva, diz ser “uma loucura”. E alertou para os cuidados que o País tem de ter com a dívida fiscal.

A inadimplência dos clientes do banco, outro ponto que preocupa o mercado, parece estar sob controle. Pelo menos no que diz respeito ao colchão da instituição financeira, que fez provisões adicionais de R$ 8,9 bilhões. “Temos uma relativa tranquilidade de que as provisões que fizemos serão suficientes para cobrir a inadimplência”, diz ele.

A crise do coronavírus também acelerou a questão digital. Lazari Junior diz que, mensalmente, 180 mil novas contas estão sendo abertas pelo app do banco Next e 100 mil novas contas pelo app do Bradesco. E que, diante deste fato, adicionado ao comportamento dos clientes, o fechamento de algumas agências físicas é inevitável.

“Antes da pandemia, os caixas do Bradesco faziam 1 milhão de autenticações por dia. Agora, fazemos 100 mil por dia. E todas as agências estão abertas”, diz Lazari Junior. Ou seja, os clientes estão usando os canais digitais. “Eu preciso ter 16 agências na Avenida Faria Lima? Se eu tiver 12 está bom. Para que ter uma de um lado da rua e outra na frente?”, diz.

O Next, banco que concorre com as fintechs que atuam no mercado, deverá ser separado do Bradesco até o fim do ano. Indagado sobre os rumores de que estaria comprando uma participação no C6 Bank, ele nega e afirma que o grupo está focado no crescimento do Next.

O Bradesco registrou no segundo trimestre deste ano uma queda de 40,1% no seu lucro, chegando a R$ 3,87 bilhões, e a rentabilidade sobre o patrimônio despencou para 11,9%. No mesmo período do ano passado, ela estava em 20,6%. Lazari Junior diz que os retornos voltarão, é uma questão de tempo. Acompanhe a entrevista:

Tem muita gente falando numa retomada da economia de um modo até eufórico. Mas o desemprego aumentou, muitas empresas vão fechar e o auxílio emergencial do governo não vai durar para sempre. Como você está vendo tudo isso?
Não dá para ter euforia num momento como esse. Até porque ainda não temos a solução para o problema que estamos vivendo, não sabemos a extensão real e quão longa é essa cauda e não sabemos a dimensão, de fato, de tudo o que está acontecendo. É uma euforia controlada porque você tem sinais de recuperação, mas que vieram de meses de terra arrasada. Não dá para dizer que voltamos ao normal diante da pandemia, longe disso. Precisamos ter muito cuidado com essas avaliações até para que não haja uma movimentação desordenada das pessoas e das empresas, para que não tenhamos uma segunda onda de infecção. Até porque o número de vítimas fatais no Brasil ainda é muito alto.

Qual vai ser o saldo dessa crise do coronavírus?
Do lado ruim, milhares de empresas que vão ficar pelo caminho, um desemprego acentuado, uma inadimplência alta e uma dívida fiscal acima de 90% do nosso PIB. São quatro pilares bastante ruins. De outro lado, tivemos um aprendizado com mais tecnologia, mais clientes digitalizados, uma convivência social mais respeitosa, com menos aglomeração e hábitos de consumo mais ponderados. Esse é o lado bom. Mas o lado ruim é que muitos vão ficar pelo caminho.

Falando nisso, o Bradesco fez provisões adicionais de R$ 8,9 bilhões. A inadimplência vai ser tão pesada assim ou o banco está sendo mais prudente do que a realidade?
Estamos sendo hiper conservadores. Nós, os outros bancos brasileiros e os bancos americanos também. Você mesmo já publicou no NeoFeed, se você olhar os balanços do J.P. Morgan, Morgan Stanley e Citibank, todo mundo está fazendo provisões. O lucro caindo 40% e o retorno sobre o patrimônio caindo para 4% ou 7%. Aqui no Brasil ainda estamos com 13% ou 14%. Todo mundo está sendo conservador porque a gente nunca viveu isso. Estou no mercado há 42 anos e peguei todos os planos econômicos possíveis e imaginários, as crises de 2008 e de 2015, mas essa crise atual é sem precedentes. Não sabemos exatamente o tamanho da conta que será paga.

“Não sabemos exatamente o tamanho da conta que será paga”

Nem uma ideia?
Hoje temos um avanço de métricas para fazer avaliação das provisões necessárias. É um jeito mais sofisticado do que tínhamos no passado. Pegamos as crises vividas em 2008 e a de 2015 e agravamos esse cenário para estimar a perda. Outra coisa é que conseguimos colocar numa grande base de dados qual é o perfil desses clientes que estão prorrogando essas dívidas e se eles vão conseguir pagar ou não. No caso do Bradesco, quando olhamos o perfil do cliente que prorrogou a dívida, ele é muito bom.

Qual é o perfil?
Ele tem, em média, 14 anos de relacionamento com o banco. Quando você olha o rating desses clientes, 96% deles tinham ratings de AA até C, 93% deles não tinham nenhum tipo de atraso nos últimos 12 meses e 71% desses créditos prorrogados têm garantia real. Então, quando você olha isso, a perspectiva de inadimplência desses clientes não é tão alta porque são operações de crédito imobiliário, financiamento de veículo, cuja maior parte já foi paga. Temos uma relativa tranquilidade de que as provisões que fizemos serão suficientes para cobrir a inadimplência, que vai acontecer só no fim desse ano ou no começo do ano que vem. Se você olhar os balanços dos bancos brasileiros e dos estrangeiros, vai ver que a inadimplência caiu porque a prorrogação foi um ingrediente novo que foi adicionado por conta da pandemia. E essas prorrogações vão vencer só no fim do ano ou começo do ano que vem.

Muita gente prorrogou?
Falando do Bradesco, tem alguns aspectos importantes. O cliente podia prorrogar por 60 dias e depois, se quisesse, podia prorrogar por mais 60 dias. 65% das pessoas não quiseram prorrogar de novo e pagaram os empréstimos. Somente 35% prorrogaram. Isso mostra que devemos ter uma qualidade boa de liquidação. Mas é o que a gente fala, o dinheiro que emprestamos não é do Bradesco, é dos nossos depositantes. Então, preferimos ser mais conservadores neste momento e fazer as provisões. Se não forem totalmente utilizadas, depois voltam para o resultado e não tem problema nenhum.

Você falou sobre a questão fiscal, uma dívida superior a 90% do PIB. Acredita que o governo vai conseguir segurar essa questão? Por que isso impacta na taxa de juros…
Acho que vai conseguir segurar, até porque temos o teto dos gastos que tem de ser respeitado. É lógico que pode ser que atinja 95% ou um pouco mais por conta do auxílio emergencial que o governo deve conceder por mais dois meses, mas não acredito que passe de 100%. O que precisamos é, de fato, implementar as reformas que estavam em andamento. A previdenciária já saiu e agora tem as reformas tributária e administrativa. Pelo que escuto, tanto do Alcolumbre (Davi Alcolumbre, presidente do Senado) e do Maia (Rodrigo Maia, presidente da Câmara), é que todos estão muito conscientes de que essas reformas precisam sair. Não tem outra alternativa para que a dívida fiscal não exploda. Sem as reformas, não tem outra maneira de a gente segurar e ajustar esse lado fiscal. É importante que a taxa de juros continue baixa por um longo período. Com isso, é possível fazer uma gestão de endividamento das contas públicas e também das empresas e das pessoas físicas.

“Todos estão muito conscientes de que essas reformas precisam sair. Não tem outra alternativa para que a dívida fiscal não exploda”

O banco trabalha com uma taxa de juros baixa por quanto tempo?
Para o ano que vem, não vemos a taxa de juros subindo significativamente. Ela é um instrumento de política monetária que deverá ser usada se houver uma explosão de consumo e a inflação voltar. Por isso é importante a gente voltar de maneira organizada para que as empresas possam recuperar sua capacidade de produção, para que não tenha uma demanda maior do que a oferta. Se tiver, os preços sobem e a inflação se descontrola. No cenário que olhamos, de pouco mais de um ano, não me parece haver nenhuma pressão inflacionária que possa exigir do Banco Central uma ação mais forte. Mas, na pior das hipóteses, se escapar um pouco e tivermos de dobrar a taxa de juros, estamos falando de 2% para 4%. Não estamos mais falando de dobrar de 20% para 40%.

Então uma retomada em “V” não seria boa para a economia?
Eu já disse algumas vezes que não acredito nisso. Até temo pela recuperação em “V” por conta dos problemas de infraestrutura do País e de você não conseguir manejar a oferta e demanda de maneira adequada. No campo, a produção tem data para acontecer. Você não planta o milho hoje e colhe amanhã. Nas fábricas também. Não dá para voltar a 2,5 milhões de carros no ano da noite para o dia, tem um tempo para acontecer. Sou mais favorável que tenhamos uma recuperação em “V” da Nike”.

Seria uma recuperação em “U”?
O pessoal fala em “U”, mas eu acho que já batemos no fundo do poço e estamos começando a recuperar. Não vamos ficar no estágio de terra arrasada por muito tempo. Já dá para perceber alguns setores se recuperando e dá para ver uma recuperação gradual. Tenho dito há muitos anos que o Brasil não precisa crescer mais do que 3% ou 4% ao ano. Não temos dinheiro, investimentos e infraestrutura necessária para suportar um crescimento maior do que esse. Prefiro crescer 3% ou 4% durante dez anos, quinze anos, vinte anos, para que preparemos a infraestrutura no Brasil, para que possamos depois almejar crescimentos maiores.

“Não vamos ficar no estágio de terra arrasada por muito tempo”

Você falou sobre a importância das reformas, mas os bancos e a Febraban não querem essa reforma tributária que está sendo proposta pelo governo. Um par seu, o Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, também criticou. Qual é a sua opinião sobre essa reforma que está sendo enviada ao Congresso?
O que não achamos razoável, não é a reforma tributária, é a volta da CPMF. Ela tem um poder de arrecadação muito grande e acho que as alíquotas de imposto no Brasil já penalizam demais as pessoas físicas e jurídicas. O que está sendo proposto, pelo menos o que sabemos até agora porque não vimos claramente, é que seria uma alíquota de 0,20% e incidiria sobre o crédito e o débito. Então, ela passa a ser 0,40%. E o maior problema dela é que você vai tributar em cascata a cadeia produtiva que é muito longa, é uma loucura isso. Não é um imposto justo porque tributa desde da pessoa mais humilde até o rico com o mesmo percentual. Além disso, vai fomentar a informalidade de novo, a sonegação. Quando tinha a CPMF lá atrás, pegávamos cheque que tinha 19 endossos. Vai voltar o cheque para o Brasil e um vai passar para o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto. Como vai prevenir lavagem de dinheiro e sonegação com esse tipo de coisa? Não tem como. Não é um imposto bom. Se fosse bom, outros países mais avançados teriam adotado. Não me parece apropriado e justo.

O que seria o ideal?
As propostas de reforma tributária que foram feitas pelo Bernard Appy, pelo Baleia Rossi e pelo governo têm pontos muito interessantes. Talvez seja o caso de pegar a do Appy e do Baleia Rossi como espinha dorsal e ajustar ela. O que a gente precisa, neste momento, não é nem tanto uma reforma tributária, mas uma simplificação tributária. Como falamos do problema fiscal, sabemos que não vai dar para reduzir a carga tributária agora. Ela é extremamente elevada, uma das maiores do mundo, mas não tem como a gente se iludir e achar que vai dar para diminuir impostos agora porque o País precisa dessa arrecadação para fazer frente a sua dívida fiscal que é enorme. Agora, o custo tributário no Brasil não reside só na alíquota do imposto em si. Ele tem alguns custos que ninguém olha, mas que são absurdamente elevados.

Por exemplo?
O País tem uma teia fiscal que você tem de ser um estudioso profundo para poder entender e, mesmo assim, você não entende. Cada município tem sua regra, cada estado tem sua regra, tem impostos que se misturam com outros, imposto incide em cima de imposto. O Bradesco, por exemplo, tem 280 pessoas só para cuidar de imposto. É um custo absurdo. Se você tivesse uma simplificação de PIS e da Cofins, juntasse os tributos federais e ajustasse os municipais com os estaduais para fazer a distribuição, teríamos um custo muito menor.

“O que não achamos razoável, não é a reforma tributária, é a volta da CPMF”

Qual é a sua avaliação sobre o desempenho da bolsa, que já se recuperou desde a queda em março. Essa recuperação é sustentável?
Acho que vai haver uma reprecificação dos ativos. Todo mundo está em compasso de espera, porque ninguém sabe quando essa economia retoma de vez, para que possamos avaliar os ativos de forma coerente e comparável. Mas o crescimento da bolsa já era um movimento que vinha acontecendo porque, com uma taxa de 2%, 3% ou 4%, as pessoas procuram outras formas de investimento para tentar melhorar seu ganho. Isso acabou levando as pessoas para o mercado de ações. Tem também todo o aspecto do Novo Mercado, que deu mais tranquilidade para as pessoas investirem, e as novas casas de investimentos, que atraíram um novo público. O número de brasileiros que passaram a investir em bolsa no último ano é impressionante.

Esse fenômeno é perceptível na Ágora, a plataforma de investimentos do Bradesco?
Esse ano, 450 mil novos investidores entraram na Ágora. Mas dá para entender justamente por estarmos vivendo com uma taxa de juros de 2% com uma inflação perto disso. Dependendo da inflação, estamos falando de uma taxa de juros negativa. A tendência é a bolsa de valores continuar crescendo.

Aliás, os papéis dos bancos estão sendo castigados na bolsa. O que você diria para esse investidor que está apostando contra os bancos?
Acho que é até um movimento natural. As pessoas ficam preocupadas porque sabem que vai ter inadimplência por conta da pandemia. Querem saber como os bancos vão se comportar, o lucro do Bradesco caiu 40%, o do Itaú caiu 40%. Somos, digamos assim, uma empresa da velha economia. Banco tem de dar muito lucro porque, senão, ficamos muito preocupados. Mas os bancos brasileiros, já de muitos anos, criaram uma estrutura de gestão de risco muito sólida. Os bancos brasileiros estão muito bem administrados, têm capital suficiente, têm liquidez, estão com balanços robustos para enfrentar dificuldades. É só um momento, as ações dos bancos vão se recuperar ao longo do tempo. Elas estão até subavaliadas e os balanços podem mostrar que os bancos têm musculatura e fortaleza suficientes para fazer frente a uma eventual piora da inadimplência.

Essa pandemia trouxe uma maior digitalização dos clientes. Vamos ver os meios eletrônicos substituírem o papel moeda? As agências vão fechar?
Isso é uma realidade irrefutável e não tem como lutar contra. E nem deveria, a gente olha a capacidade que os bancos tiveram de implementar as tecnologias no mobile e os brasileiros são heavy users de mobile. Foi por conta dessa tecnologia que conseguimos resolver muitos problemas nessa pandemia sem que os clientes precisassem ir até as agências. Isso vai levar a uma diminuição das agências físicas. Por exemplo, eu preciso ter 14 agências na Avenida Paulista? Eu preciso ter 16 agências na Avenida Faria Lima? Se eu tiver 12 está bom. Para que ter uma de um lado da rua e outra na frente? Portanto, teremos, sim, um encerramento de agências. As agências se tornarão cada vez mais um ponto de negócios.

“Eu preciso ter 16 agências na Avenida Faria Lima? Se eu tiver 12 está bom. Portanto, teremos, sim, um encerramento de agências”

E o PIX?
O PIX é uma realidade, deve estar funcionando em novembro. Se soubermos embarcar uma jornada agradável para o cliente dentro do app do Bradesco, o cliente vai utilizar. Agora, tem uma preocupação. Você sabe como é o Brasil, a fraude aqui tem uma sofisticação maior do que se vê em outros países do mundo. Esse negócio de fazer a transferência e ela ser fechada em 10 segundos, a gente tem uma preocupação muito grande. Você tem lavagem de dinheiro, fraude. Essa é uma preocupação que estamos levando ao Banco Central. Se identificarmos fraude ou lavagem de dinheiro, acreditamos que a transação não pode ser concluída em dez segundos. Vamos esperar, ligar, conferir com o cliente que está mandando ou recebendo para mantermos o sistema brasileiro seguro.

O Bradesco está desenvolvendo o Bitz (que compete com Iti, do Itaú, e PicPay). É para ter essa plataforma segura de pagamento?
O Bitz é um projeto, não sei se ele vai para frente agora com o PIX, do BC, porque ele é uma plataforma de conta de pagamentos. Estamos trabalhando ele, é uma plataforma hiper segura, onde as pessoas poderão abrir uma conta de pagamento, mas é uma conta pré-paga. Para ele pagar com QR Code, fazer transferência de uma conta para a outra.

Como você viu a entrada do WhatsApp nisso?
Nenhum de nós entramos nisso. Primeiro porque o PIX já estava em consulta pública e o BC tinha lançado. Segundo porque eu sempre disse que as fintechs são parceiras dos bancos. Hoje, por meio do nosso braço de private equity, temos investimentos em 18 fintechs. Agora, o que me preocupa e sempre me preocupou são as big tech. Elas têm uma capacidade de processamento de dados incomensurável, muito grande. Olha quantos milhões de pessoas usam o Facebook, o Instagram e o próprio WhastApp aqui no Brasil. Não tenho problema de o WhatsApp entre nesse jogo, desde que não haja diferença. Ele tem de respeitar exatamente todas as regras a que estamos condicionamos. Regras de segurança, de não vazamento de dados, de lavagem de dinheiro, de fraude. Foi por isso que o BC segurou, porque precisamos ter essa segurança. A regra tem de valer para todos.

“O que me preocupa e sempre me preocupou são as big tech. Elas têm uma capacidade de processamento de dados incomensurável, muito grande”

No ano passado, você disse que o Next seria separado do Bradesco. Isso ainda não aconteceu.
Fisicamente, a equipe do Next já está em um prédio próprio, eles saíram da Cidade de Deus. As empresas já foram criadas, o CNPJ foi criado, o BC já autorizou o Next Bank. Até o fim do ano, ele estará 100% separado do banco.

O Next está com quantos clientes?
Hoje está com 2,7 milhões de clientes e até o fim do ano ultrapassaremos 3,5 milhões.

E essa história que saiu na imprensa de o Bradesco comprar participação no C6 Bank, procede?
Não sei por que saiu essa conversa sobre C6. Eu conheço pouco, mas a gente sabe que ela é uma plataforma bem arrumada, faz uma concorrência muito boa com o Next, a jornada deles é agradável, o pessoal que cuida do C6 é experiente e sabe o que faz. Mas não faz muito sentido pra gente comprar o banco C6. Não posso gastar munição, tenho que focar no Next, que está indo bem e teremos novidades fantásticas chegando.

Então não tem nada?
Por enquanto não, mas, como sempre falo, nunca viramos as costas para boas oportunidades. Então, sei lá, se o C6 quiser, podemos até conversar.

O Bradesco é sócio do Banco do Brasil na Elopar (dona da Elo, Cielo e Livelo) e tem a Cielo, que deu o primeiro prejuízo de sua história. Como estão as conversas com o Banco do Brasil sobre Cielo?
Estávamos conversando com o Banco do Brasil antes da pandemia. A conversa sempre foi muito boa, até por isso são parceiros nossos em vários investimentos em conjunto. Agora, não adianta a gente tomar uma decisão sobre Cielo agora.

Por quê?
É uma empresa que precisa fazer um turnaround, levamos o Paulo Caffarelli para fazer isso. Só que ela perdeu o bonde da história quando ficou muito concentrada nas grandes corporações, nos grandes varejistas, e não cuidou ou não deu atenção para o pequeno comércio, para o microempresário individual, que garantem melhores taxas de intercâmbio. Essas grandes redes que a Cielo atende lhe dão 40% de market share, mas com uma margem extremamente apertada, muitos até dão prejuízo.

“Ela (Cielo) perdeu o bonde da história quando ficou muito concentrada nas grandes corporações, nos grandes varejistas, e não cuidou ou não deu atenção para o pequeno comércio, para o microempresário individual”

E a Cielo já foi uma empresa que trazia lucros enormes…
A Cielo era a queridinha do mercado, tinha 50% de geração de caixa, era uma empresa fantástica. Mas, por conta dessa letargia da empresa no passado e também por conta de toda a mudança regulatória promovida pelo BC, outros atores de mercado entraram no vácuo da Cielo e se tornaram empresas muito rentáveis, grandes e abriram capital fora do País, como a Stone e a PagSeguro. Hoje, a Cielo está fazendo esse turnaround, buscando novos clientes, sacrificando menos margem. Só que pegou essa pandemia no meio do caminho e as vendas com cartão de crédito, que são a grande receita, caíram 70%.

Mas como fica a parceria entre Bradesco e BB na Cielo?
A Cielo é um negócio muito importante para nós e para o Banco do Brasil. Adquirência é um negócio que o Bradesco não pode abrir mão. Ela faz parte do portfólio de produtos e serviços que preciso oferecer para as empresas. Tenho a conta do Carrefour e não vou ter adquirência para botar no PDV deles? Não dá. Então, a questão da Cielo é a de passar por esse momento e reconstruir a empresa. Ela vai voltar a dar lucro e vamos escutar a ideia do Banco do Brasil em relação a Cielo. Acho que deve ser a mesma que a nossa, de reconstruir a empresa.

Se o Banco do Brasil não quiser mais, vocês compram?
Se o Banco do Brasil quiser vender, vamos discutir. Assim como eles também fariam o mesmo.

Recentemente, você, presidente do Bradesco; o Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco; e o Sérgio Rial, presidente do Santander, se juntaram para pedir ao governo brasileiro mais atenção com a questão do meio-ambiente. Como foi essa união?
Tiveram alguns gatilhos que fizeram com que isso acontecesse. O Bradesco, lá de trás, já falava de preservação do meio-ambiente, o banco do planeta, Amazônia sustentável. Neste ano, após o Fórum Econômico Mundial de Davos, anunciamos que 100% do consumo de energia elétrica do banco seria somente de fontes renováveis. Até o fim do ano, 100% das emissões de carbono de todos os nossos funcionários serão compensadas com créditos de carbono que estamos adquirindo. É o quinto ano que vou para Davos e você escuta gente do mundo inteiro falando sobre aquecimento do planeta, dos oceanos, do meio-ambiente. Mas é muito discurso e pouca ação. Se houve algo de bom nessa pandemia foi que eu, o Candido e o Rial, ficamos muito mais próximos, nos juntamos muito mais para conversar. Nem nos EUA, três bancos que são competidores vorazes no mercado, se juntaram para fazer um anúncio conjunto na televisão, no online e no offline para ajudarmos com doações na pandemia.

“Se houve algo de bom nessa pandemia foi que eu, o Candido e o Rial, ficamos muito mais próximos, nos juntamos muito mais para conversar”

Quando que entrou na pauta essa questão do meio-ambiente?
Numa conversa entre a gente, decidimos fazer algo sobre o meio-ambiente e em especial sobre a Amazônia porque é tanta coisa que se fala, tanta verdade e tanta inverdade, que resolvemos fazer algo. Primeiro, decidimos fazer isso com a Cebeds (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), porque junto com outros CEOs de empresas que são nossas clientes, assinamos uma carta pedindo medidas do governo. Eu sei que não é algo trivial, aliás, é muito complexo. A Amazônia tem uma área de 5,5 milhões de quilômetros quadrados. Isso equivale a todos os países da União Europeia juntos. Então, decidimos estabelecer dez pontos importantes para serem desenvolvidos junto com o governo. Queremos desenvolver ações estruturantes na Amazônia.

Que ações seriam essas?
Todos esses grandes frigoríficos, por exemplo, são clientes do banco. Tenho o direito e, mais do que direito, o dever de chamar eles aqui e falar: ‘vocês precisam ter o selo verde de que a carne é comprada de produtor que não faça desmatamento’. Com o nível de pastos que temos hoje no Brasil, não precisamos derrubar nem uma árvore para dobrar a produção. A gente pode exigir dos frigoríficos brasileiros que isso seja observado, sob pena de que, se ele não cumprir, não vou dar mais crédito para ele. Aliás, como a gente já vem fazendo há dois anos.

O que tem sido feito nesse sentido?
Se uma empresa tiver problema de trabalho escravo, de desmatamento ou outros problemas mais sérios, nem adianta ela ter um balanço bom, a gente nem faz o crédito. Antes de fazer a análise de crédito, ela passa no nosso comitê de sustentabilidade. Esse é um exemplo. Outra coisa que podemos fazer é incentivar e financiar a monocultura, da produção do cacau, do açaí. Se essa pessoa tem renda, ela não vai desmatar. Temos como incentivar e não é só dinheiro, é atitude de mudar como fomentamos isso na Amazônia.

“As empresas que não forem responsáveis, socialmente e ambientalmente, estão com os dias contados, não terão futuro”

E a questão das queimadas?
Botam fogo na floresta porque é o método rudimentar de tratar a terra. Desde que o mundo é mundo, se queima a palha porque a cinza enriquece o solo para que a plantação venha mais forte. É simples assim, pode falar com a Embrapa que você vai ver que não estou falando nenhuma bobagem. O que precisa? Levar para lá técnicas agrícolas como as que temos aqui no Sul do País. Você não vê mais queimada de canavial aqui em São Paulo. Porque tem técnicas agrícolas mais modernas. Então, levar uma técnica agrícola e reforçar os quadros da Embrapa para ensinar essas pessoas plantarem sem queimar, é simples. E ainda tem um ponto muito importante que é pagar uma dívida muito grande que temos desde os anos 1970.

Que dívida?
Nos anos 1970, o governo incentivou as pessoas a irem para a Amazônia, para poder povoar a região. Eles foram para o Acre, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, com a promessa de que eles poderiam plantar e teriam seus pedaços de terra. Até hoje a regularização fundiária dessas pessoas não foi feita. Elas estão de maneira irregular porque nós as levamos para lá. Dá a posse para essa pessoa para que ela possa ir lá no Bradesco financiar a próxima safra. Tem um efeito de cidadania. Precisamos fazer esse resgate cultural e humanitário e nós queremos ajudar a fazer isso porque aí você vai poder dar crédito para essas pessoas. Elas terão um sentimento de pertencimento e, produzindo na terra, não vão precisar entrar na floresta e desmatar para poder vender madeira e gerar sustento. Eu sei que é complexo, que algumas pessoas podem achar que é demagogia. Mas, vou te falar uma coisa, eu, o Candido e o Rial estamos numa etapa da vida (bate uma mão na outra) que a gente não precisa fazer demagogia com nada. Os nossos bancos têm um peso muito grande para arrastar outras empresas para isso.

Por que resolveram fazer isso?
Primeiro porque temos um resgate moral com as próximas gerações. Segundo porque tenho certeza de que, cada vez mais, os clientes não vão comprar de empresas que não são ecologicamente e socialmente responsáveis. Eu vejo pelos meus filhos. Tem certas coisas que eles não consomem porque eles sabem que aquela empresa que produziu aquilo não respeita o meio-ambiente, o social e a diversidade. Todas as empresas que pretendem ser prósperas num futuro bem próximo terão de ter essa preocupação.

E aí entra também a questão do ESG…
O ESG é uma realidade que não dá para fugir. Por isso que eu digo, as empresas que não forem responsáveis, socialmente e ambientalmente, estão com os dias contados, não terão futuro.

*Octavio de Lazari Junior, presidente Banco Bradesco

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