É difícil não admirar Lewis Hamilton. Não bastasse o piloto britânico ser heptacampeão mundial, sua consciência social, racial, disciplina, preparo e simpatia são notáveis. Ele, claro, também sabe jogar para a torcida. No Brasil, isso fica claro cada vez que corre aqui com o verde e o amarelo no capacete, fala sobre sua admiração por Ayrton Senna e em sua evidente manifestação do último GP em São Paulo, quando sacudiu a bandeira nacional na vitória — chamando o único engenheiro brasileiro de sua equipe ao pódio.
Também é assim quando está cumprindo contratos corporativos fora das pistas. “Bom dia!”, disse Hamilton em animado português, subindo hoje ao palco do evento VTEX Day, na capital paulista. Foi ovacionado. Terminou ali seu conhecimento do idioma e ele se desculpou com a plateia por seguir a conversa em inglês. Diz que quer frequentar mais o país, fora as vindas esporádicas a São Paulo e Rio — convites não faltam dos amigos Neymar e Gabriel Medina, emenda — e que veio lendo no avião um pouco mais sobre a história do país, inclusive sobre escravidão.
O tema racial lhe é caro, mas sua abordagem mudou. A família penou para conseguir bancar os treinamentos daquele que era sempre o único negro das competições. O pai se dividia entre quatro empregos e a madrasta raspou as economias para mantê-lo praticando. Os insultos do colégio se estenderam às pistas — não entendia porque, no Reino Unido, o mandavam voltar a seu país de origem (ele nasceu ali mesmo, em Stevenage, uma cidadezinha ao norte de Londres).
“Just do your talking on the track”, dizia o pai. A resposta virá com os resultados. Hamilton já tinha um quê de ativista, mas foi com o lamentável episódio de assassinato do americano George Floyd, em 2020, que a ficha caiu. “Eu tinha tantas emoções que suprimia o tempo todo, e ali me vi em lágrimas sem entender de onde vinha todo aquele sentimento”, contou.
“Foi nesse momento que entendi de fato que eu tinha que utilizar essa plataforma para fazer algo com meu tempo aqui. Ganhar todas essas corridas e campeonatos é maravilhoso, mas se não fizer nada com o pedestal e o poder que isso te dá, então você estará os dispersando.”
Hamilton passou a usar a visibilidade e o patrimônio para a missão de aumentar a diversidade no esporte e combater o racismo. Uma de suas iniciativas é o Mission 44, projeto filantrópico fundado por ele e que carrega o número que recebeu quando corria de kart na infância. O projeto visa dar suporte a jovens de minorias étnico-sociais em áreas marcadas pela ausência de representatividade.
Em conjunto com a Mercedes, o piloto ainda lançou no ano passado a Ignite, uma iniciativa beneficente com a missão de apoiar uma maior diversidade e inclusão dentro do automobilismo, com investimento inicial de 20 milhões de libras. Em paralelo, também mantém o Hamilton Commission, que lançou um relatório no ano passado após 10 meses de estudo sobre a falta de representatividade de pessoas pretas no cenário automobilístico britânico e também em outros setores, como matemática, tecnologia, engenharia e ciência — o chamado STEM.
“Minha meta é em cinco a 10 anos ver um esporte mais diverso”, afirmou hoje. Senna é usualmente o único branco citado na lista de pessoas que admira ou que chama de ídolos, ao lado de Serena Williams, Muhammad Ali e Nelson Mandela. Além da carreira profissional, conta, a força que encontrou em Senna foi a naturalidade e abertura que o brasileiro falava sobre espiritualidade.
Hamilton acredita que saúde mental, saúde física e disciplina são as bases para a vida esportiva. “Autoestima é tão importante. Assim como todo mundo, há dias em que me sinto um fracasso, que acho que sou uma fraude, mas temos que afastar a negatividade e acreditarmos que somos capazes”, disse. “Se você achar que algo é impossível, aí que vai ser mesmo. Tem que colocar na cabeça que tudo é possível no tempo certo e com a dedicação necessária. Estou todo dia trabalhando para ser a melhor versão de mim”.
Nas pistas, ele reconhece que a equipe passa por adversidades, mas diz que abraça esses momentos difíceis, que fazem parte do processo – “e saímos dessa mais fortes”. Nas três corridas da temporada de 2022, o monegasco Charles Leclerc, da Ferrari, ganhou a primeira e a terceira, e o holandês Max Verstappen, da Red Bull, levou a segunda. Hamilton é o quinto no campeonato.
O piloto britânico acumula uma fortuna avaliada em US$ 82 milhões, segundo a revista Forbes, o que o coloca na 8ª posição de atleta mais bem pago no mundo, e conquistou o título de Sir, concedido pelo Príncipe de Gales. Ele também tem aparecido mais no noticiário de negócios, especialmente com seus investimentos em startups — é acionista de companhias como a foodtech chilena NotCo e o app britânico de delivery Zapp.
Mas não deu tempo de falar de negócios. Mariano Gomide, o fundador da brasileira de tecnologia VTEX que comandou o bate-papo, ficou claramente emocionado diante do piloto. “Você é meu maior ídolo”, disse logo na largada. “Acho que tenho algo de brasileiro em mim”, replicou Hamilton.
Fonte: Pipeline Valor