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Ao menos 90 fósseis brasileiros estão no exterior ilegalmente

Uma disputa no ano passado sobre a propriedade do pterossauro Ubirajara, descoberto no Brasil mas atualmente no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, lançou luz sobre a saída ilegal de fósseis do país. Um grupo de paleontólogos brasileiros identificou pelo menos 90 fósseis que estão hoje ilegalmente no exterior. O levantamento se baseou em publicações oficiais, mas o número pode ser maior, segundo os autores, porque com a fiscalização precária e a volúpia de pesquisadores estrangeiros a Bacia do Araripe, sítio arqueológico entre o Ceará, Pernambuco e Piauí, é visto como uma mina de ouro para traficantes de fósseis.

O artigo publicado no dia 2 chama a atenção para o chamado “colonialismo científico”. O levantamento enfocou em holótipos, fósseis que representam uma espécie recém-descoberta, como Ubirajara, e cujo envio permanente para o exterior é ilegal, segundo a lei brasileira, com exceção de doações específicas. Os pesquisadores filtraram artigos publicados entre 1990, ano do decreto que regulamenta expedições científicas estrangeiras e proíbe o envio de holótipos para fora, e 2021. O grupo deu atenção a critérios como não exibição de autorização da retirada do fóssil do Brasil, e a falta de participação de brasileiros durante a pesquisa, também uma obrigação legal.

Dos 90 holótipos já identificados, todos do Araripe, a maioria está na Alemanha: 13 em Berlim e 10 em Karlsruhe. O segundo principal destino é o Japão. Ainda há casos na Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, França, Espanha e Itália.

— As ciências humanas sempre falaram de colonialismo científico, e agora estamos trazendo o conceito para nossa área. Os pesquisadores vêm para extrair o que puder, sem deixar nenhum tipo de aporte para as comunidades locais. Isso sempre foi feito na época colonial, e continua assim — afirma Juan Cisneros, pesquisador da Universidade Federal do Piauí e um dos autores do artigo.

‘Irritator’ irritou

No levantamento, há até uma publicação de 1996 em que se admite que o fóssil em questão era um objeto de compra, portanto ilegal. No caso, o Irritator Challenghi, que está no Museu de Stuttgart e recebeu o nome após os paleontólogos estrangeiros perceberem, irritados, que o crânio estava adulterado. Entre as décadas de 1970 e 80, era comum fósseis serem vendidos em praça pública na Bacia do Araripe, dizem os pesquisadores. Com a nova lei, a situação foi amenizada, mas o problema perdura.

No Araripe, não é raro que fósseis sejam encontrados sem querer. São oportunidades para atravessadores. No ano passado, uma operação da Polícia Federal resultou na devolução de 400 fósseis para o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri (CE).

Curador do museu e também autor do artigo, Renan Bantim, da Universidade Regional do Cariri (Urca), diz que a criação do geoparque, onde fica o museu, gerido pela Urca, ajudou a dirimir o contrabando. No entanto, Bantim ressalva que o fechamento, no governo Temer, de um escritório da Agência Nacional de Mineração (ANM), que ajudava na fiscalização, atrapalhou.

— Esses museus de fora ainda têm grandes coleções reunidas nas décadas de 70 e 80 e nem todas as pesquisas foram publicadas, por isso nem sabemos a quantidade total de fósseis no exterior. Hoje não se vê mais venda em praça pública, mas quadrilhas se arriscam no contrabando — diz Bantim.

Bantim protagonizou a negociação para o retorno de fósseis que estavam na Universidade do Kansas, nos EUA. Após uma publicação em maio sobre o holótipo Cretapalpus vittari, o fóssil de aranha mais antigo a ser encontrado no Araripe, brasileiros denunciaram que sua permanência no exterior era ilegal. O diretor da universidade americana, que batizou o fóssil em homenagem a Pablo Vittar, logo pediu o envio para o Museu de Cariri. Além de Vittari, chegaram outros 35 fósseis de aranhas que nem estavam computados.

Presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, Hermínio Ismael diz que o aumento da fiscalização pela ANM esbarra na falta de paleontólogos. “As leis são facilmente burláveis e isso faz com que o Brasil seja visto como o local onde se pode tudo”.

‘Enorme ironia’

Entre os pesquisadores estrangeiros mais famosos a publicar artigos sobre fósseis brasileiros está David Martill, da Universidade de Portsmouth. Coautor da publicação sobre o Irritator, num caso que define como “controverso”, Martill disse que, na época, houve debates sobre um possível retorno do fóssil ao Brasil, mas não foi responsável por esta decisão. O pesquisador afirma que seu papel foi apenas ir a Stuttgart estudar o achado. Ele participou das publicações sobre pelo menos outros oito fósseis brasileiros ilegalmente no exterior, e já foi alvo de investigações da PF, o que considera perseguição.

Martill diz ter sido vítima de preconceito, assim como outros pesquisadores europeus, e reclamou que não houve menção a trabalhos de brasileiros no exterior.

— Há uma enorme ironia na acusação de neocolonialismo contra nós, europeus brancos. Eu acredito sim que os portugueses roubaram a terra brasileira de muitos nativos sul-americanos. Mas me pergunto onde começamos a traçar essa linha. E aliás, o incêndio do Museu do Rio não só destruiu todos os seus maravilhosos artefatos sul-americanos, mas também uma coleção muito grande de artefatos egípcios. Eles seriam devolvidos ao Egito? — questiona o pesquisador.

Incêndio como defesa

O incêndio do Museu Nacional foi citado mais de uma vez por Martill, em entrevista por e-mail, para alegar que o Brasil não teria as condições mais adequadas para armazenar coleções tão importantes. Para o cientista da Universidade de Portsmouth, “há muitas questões envolvidas” na discussão sobre a devolução dos fósseis. Ele diz ser favorável, por exemplo, ao retorno de peças de construção da Grécia Antiga, porque as suas ausências descaracterizam prédios da Antiguidade. Mas, sobre fósseis, ele defendeu que seriam peças que devem ultrapassar fronteiras físicas.

— Invejo os brasileiros por terem um sítio fóssil tão maravilhoso em seu país. Mas não me importa se o fóssil está armazenado na Alemanha ou em Nova York ou no Rio de Janeiro, desde que seja seguro. Claramente, os fósseis no museu do Rio não estavam seguros, e muitos outros museus foram incendiados no Brasil nos últimos anos. É estranho que tantos tenham queimado em tão pouco tempo. Mas, toda vez que jornalistas brasileiros me fazem essa pergunta, sempre respondo que apoiaria a devolução dos fósseis ao Brasil — afirmou.

Fonte: Agência O Globo

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