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Rasgamos o planejamento na pandemia, diz fundadora de app de mulheres viajantes

Após ouvir um sem-número de reclamações de mulheres que viajam, a designer Jussara Pellicano Botelho, de 33 anos, resolveu fazer o que caminha para ser uma rede social de mulheres viajantes.

A Sisterwave nasceu em 2019, o que significa que a plataforma para turismo tem mais tempo de existência na pandemia do que fora dela. Está implícita, portanto, uma dose de desafios. No início da crise sanitária, “o primeiro passo foi rasgar o planejamento de 2020”, diz a empreendedora.

Nos últimos dois anos, ela se reinventou e passou a oferecer não só estadia pelo aplicativo mas também espaços de compartilhamento de ideias e tours virtuais.

Pellicano nega ter criado um Airbnb para mulheres —é possível ofertar somente um cômodo na plataforma, e não a casa inteira. “A gente está caminhando cada vez mais para ser uma rede social para a mulher viajante”, diz ela.

A startup ainda não fez captações. Além das assinaturas das usuárias, a empresa conseguiu verba de editais —R$ 147 mil ao todo— e do apoio de seus familiares. São 22 mil mulheres cadastradas e dois grandes prêmios: um global na categoria de igualdade de gênero, da OMT (Organização Mundial do Turismo), e outro do Desafio Turistech Brasil, do Ministério do Turismo.

Em depoimento à Folha, a empreendedora conta como foram os primeiros anos da plataforma.



O Sisterwave surgiu viajando. Em 2015, fui com uma amiga para a Tailândia e o Butão. Ela voltou antes para o Brasil e eu fiquei um mês sozinha lá. Conheci pessoas que estavam viajando há seis meses, um ano, até cinco anos. Eu tinha para mim que viagem era igual a férias e, como autônoma, poupava muito para poder viajar. Essas pessoas eram nômades digitais, elas viajavam e trabalhavam ao mesmo tempo. Agora, com a pandemia, isso está muito comum, mas em 2015 era uma raridade.

Eu voltei com vontade de me tornar uma nômade digital. E me planejei durante 2016 para conhecer todos os continentes –uma viagem que ainda está aberta. Fiz metade da América do Sul durante seis meses e depois passei mais três meses na Europa.

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Nesse caminho eu conheci muitas outras mulheres que estavam viajando e frequentemente ouvia que poderia existir uma plataforma de viagem parecida com as existentes, mas voltada para mulheres. Como designer, vi que tinha uma oportunidade. Voltei ao Brasil em novembro de 2017 e me apresentei no Startup Weekend Women. Ao final do evento tinha uma premiação e nós ficamos com o primeiro lugar. Foi aí o surgimento da Sisterwave.

Ouvi muitos relatos durante as viagens que me motivaram a criar a plataforma. Mulheres sendo assediadas em recepção do hotel e colocando uma cadeira na porta para conseguir dormir, por exemplo.

Já aconteceu de ir para um evento de venture capital e só ter eu de mulher. Foi a sensação de entrar em um banheiro masculino Jussara Pellicano

Fundadora da Sisterwave

Durante uma viagem pelo Equador, eu recebi uma dica de uma brasileira: pergunte sempre a mulheres. Porque elas falam coisas que são invisíveis aos homens. E fui então experimentando qual informação o homem e a mulher davam para a mesma pergunta. “Que horas é bom eu voltar?”, por exemplo. A diferença era de mais ou menos duas horas. E tinha alguns becos nos quais só os homens passavam, as mulheres davam uma volta maior. Há um toque de recolher invisível: se acontece alguma coisa com uma mulher em determinado horário ou lugar, é como se fosse culpa dela.

O que eu estou contando agora é uma parte ruim, mas existem conexões maravilhosas que você faz quando está viajando sozinha. Você fica muito mais aberta a novas amizades, cria o seu próprio roteiro, não precisa fazer muitos acordos com outras pessoas. O que a gente quer é tornar a viagem mais tranquila, porque viajar é muito transformador.

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É muito interessante viajar sozinha se você tem a oportunidade de ficar em silêncio e em um ritmo menos acelerado do que demanda a vida comum. Há alguns anos, eu estava em busca de qual era o meu propósito. Tive um momento de eureca em Montañita, no sul do Equador, uma área litorânea. Foi uma epifania: tive clareza dos meus propósitos. São três pilares: estar em contato com a natureza, me alimentar de coisas criativas e fazer ações com impacto social. Depois disso, foi muito fácil dizer sim para aquilo que é meu e dizer não para aquilo que não é.

A Sisterwave é uma comunidade de apoio para a mulher viajante. Elas criam seus perfis pessoais e acessam o perfil de outras. Existe a comunidade como um todo —esse contato de amizade, pedir dicas, combinar de viajar juntas— e tem as prestadoras de serviço de viagem.

A gente começou com hospedagens, durante a pandemia fez os tours virtuais e agora está em uma transformação da plataforma baseada em três pilares: internacionalização, ampliação de serviços e match de interesse. A usuária fala para a plataforma qual é o estilo de viagem dela e, utilizando inteligência artificial, a gente faz esse pareamento.

Existe a possibilidade de a gente passar a alugar a casa inteira, mas um dos nossos grandes valores é essa conexão. Mais do que um marketplace, a gente é uma comunidade. A gente está caminhando cada vez mais para ser uma rede social para a mulher viajante.

O nosso primeiro ano de operação foi em 2019, quando fortalecemos a marca. Estamos falando de segurança, e ninguém conhecia a Sisterwave, então algumas mulheres achavam que era golpe. Aconteceram 98 hospedagens nesse ano.

Depois veio a pandemia. A gente falava “vai viajar” e aí chegou a pandemia e começamos a falar “fica em casa“. O primeiro passo foi rasgar o planejamento de 2020 e olhar para a lógica de startup: criar mínimos produtos viáveis.

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Para saber o que fazer, nós levamos para a própria comunidade, entrevistamos algumas usuárias. Chegamos aos grupos, que são espaços de compartilhamento, e os tours virtuais, que são experiências online em que uma expert do destino o apresenta. Ele é ao vivo e é uma maneira de planejar uma viagem. Às vezes você está em dúvida entre dois destinos, paga um preço bem menor do que uma viagem para conhecer um pouquinho e decide para onde vai.

Eu percebi que as coisas estavam difíceis em agosto de 2020, quando a minha primeira sócia foi embora. E no final do ano o outro sócio anunciou que ia. Foi um momento de crise. Me perguntei se eu continuava ou não. Nesses momentos eu recorria às amigas empreendedoras. Foi a hora de falar: “ou vai ou racha”, e aí vieram os prêmios. Uma sinalização de que eu estava no caminho certo. Agora estamos com um time de dez pessoas e somos em quatro sócios.

Empreender sendo mulher tem as suas dificuldades. Às vezes falta referência. O conselho que eu dou para todas as empreendedoras é: conecte-se com outras mulheres que já passaram por desafios semelhantes. Já aconteceu de ir para um evento de venture capital e só ter eu de mulher. Foi a sensação de entrar em um banheiro masculino. Pensava que eu não pertencia àquele lugar.

Depois desse baque inicial, mudei. Se tem eu, tem pelo menos uma mulher ali. Que eu abra portas para ser mais fácil para as próximas.

Fonte: Folha

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