Retomada de operações deve ocorrer só no 2º semestre
A epidemia do novo coronavírus provocou uma desaceleração nos processos de fusões e aquisições, com muitas empresas adiando o início de diligências e negociações para se concentrarem em preservar sua situação financeira em meio às incertezas do presente.
Mas diante da expectativa de que a pandemia não deve ultrapassar para o segundo semestre, especialistas nestes tipos de negociações acreditam que o ano não está perdido e que muitas companhias podem acabar encontrando barganhas no mercado.
Com a passagem da reforma da Previdência no ano passado, sinais de que outras reformas estruturais iriam ser colocadas em discussão neste ano e o avanço de processos de privatização, a perspectiva era de que 2020 fosse um ano memorável para fusões e aquisições. Em janeiro, o volume de operações anunciadas foi o maior já registrado para o mês, segundolevantamento da consultoria e auditoria PwC Brasil. O bom momento se manteve, segundo o estudo referente a fevereiro, obtido com exclusividade pelo Valor – 79 operações, alta de 18% em relação a fevereiro de 2019.
O número de transações anunciadas nos dois primeiros meses do ano se manteve à frente dos mesmos bimestres de todo o histórico do levantamento, iniciado em 1992, com 168 operações. O bom momento, inclusive, levou Leonardo Dell’Oso, sócio da PwC Brasil, a avaliar que a quantidade de fusões e aquisições poderia alcançar 1 mil transações este ano, patamar nunca registrado pelo levantamento. Com o coronavírus, dificilmente este número se concretizará.
“O número de operações vinham numa crescente no início do ano, a expectativa no mercado era muito boa”, afirmou Dell’Oso. “De lá para cá, mudou bastante. As restrições de acesso a crédito, o mercado praticamente fechado e as restrições de movimentação de pessoas afetou a performance de fusões e aquisições.”
Escritórios de advocacia ouvidos pelo Valor viram o fluxo de interessados nestes tipos de serviços diminuir com a covid-19, com os clientes cujos os processos estão na fase embrionária, de análise da estrutura das operações, pedindo o adiamento da continuidade das operações.
“Estamos vendo impactos nas operações por cancelamento de reuniões, dificuldades de deslocamento de pessoas, o que está empurrando um pouco as operações para frente”, disse José Diaz, sócio do escritório de advocacia Demarest na área de fusões e aquisições.
Até a eclosão da covid-19, a equipe de Diaz vinha recebendo diversas consultas, inclusive de estrangeiros, interessados principalmente nos ativos que os governos federal e estaduais vinham colocando à venda. Agora, segundo ele, todo mundo está em compasso de espera, aguardando o fim da crise.
“A estratégia das empresas saiu da visão de médio longoprazo, para sobrevivência no curto prazo”, afirmou Diaz.
Em operações mais adiantadas, passada a fase de “due diligence” e iniciado o período de negociações sobre os termos da compra, começou-se a ver um processo de renegociação dos contratos, diante da mudança nos parâmetros econômicos em que as partes se basearam para negociar e descobertas de novos riscos que um potencial do ativo. Estas questões mudaram a pretensão de valor de venda pelo vendedor e o preço que o comprador se dispõe a pagar.
A situação levou muitas a acionarem as chamadas MAC, sigla em inglês que significa efeito material adverso. Em contratos de fusão e aquisição, as partes negociam cláusulas que tratam dos impactos do inadimplemento decorrente de fatos imprevisíveis ou de difícil previsibilidade, como a pandemia. Por meio delas, as partes procuram estabelecer situações que, apesar de imprevisíveis, poderão afetar de tal forma o negócio que ele perderia o sentido para quem está contratando caso alguma delas venha a se verificar na prática.
O advogado José Ricardo de Bastos Martins, sócio do Peixoto & Cury Advogados, viu aumento na quantidade de consultas das partes a respeito das MACs, diante das situações de risco que o novo coronavírus trouxe.
“Na medida que as premissas [de negociação] são afetadas por questões imprevisíveis que afetam os ganhos, isso é motivo para renegociação de contrato” disse. “Na maioria dos casos, a expectativa é de que o uso da excludente de responsabilidade seja legítima.”
Ainda que imprevisível, a expectativa é de que a epidemia da covid-19 se dissipe até o fim do primeiro semestre, permitindo a volta das operações. E o saldo pós-coronavírus deve ser de muitas empresas se colocando à venda, ou se desfazendo de ativos ou partes das operações, diante da necessidade de melhorarem sua liquidez, após o período de crise.
“Sentidos os impactos econômicos da crise, a tendência é que os vendedores abaixem suas pretensões de preço, dado o novo cenário de oferta e demanda, e, em alguns casos, haverá sufocamento financeiro de algumas empresas, levando a operaçõe emergenciais. As fusões e aquisições de ‘distressed assets’ [ativos problemáticos] tendem, é claro, a se intensificar”, afirmou Eduardo Boulos, do Cascione Pulino Boulos Advogados.
Alexandre Bertoldi, sócio gestor de Pinheiro Neto Advogados, também prevê a retomada das operações a partir do segundo semestre, com interesse especial de investidores estrangeiros, devido à potencial desvalorização dos ativos após a crise e a vantagem do dólar frente ao real. Ele destaca, no entanto, que “esse momento é favorável a quem conhece e já atua no Brasil”, por causa das incertezas.
Para Dell’Oso, da PwC Brasil, apesar de a possibilidade de o número de fusões e aquisições atingir 1 mil agora é remota, o ano ainda será positivo, podendo ser tão bom quanto 2019, que fechou com um total de 912 transações.
“Haverá impacto no curto prazo, de uns quatro meses, mas o mercado continua líquido e muitas empresas precisarão ser vendidas, afirmou. “Na hora que se conseguir controlar a pandemia, tudo voltará ao normal.”
Foto: Alexandre Bertoldi, sócio gestor da Pinheiro Neto Advogados: “Esse momento [de retomada das operações] é favorável a quem conhece e já atua no Brasil” — Foto: Silvia Zamboni/Valor