Segundo especialistas, arroz, feijão, frutas e carnes em geral seriam alguns alimentos afetados
Especialistas em tributação alertam que a introdução da contribuição estadual, um novo tributo adicionado de última hora no texto da Reforma Tributária na Câmara, pode resultar no aumento dos preços dos produtos no mercado interno, afetando o custo do transporte, dos itens industriais e, especialmente, dos alimentos.
Embora a reforma proporcione a isenção de impostos para a cesta básica, paradoxalmente, a contribuição pode levar ao aumento dos preços de produtos como arroz, feijão, café, tomate, frutas, carnes bovina, de frango e de suíno, além de soja e milho, que são fontes de óleos vegetais e ingredientes essenciais em diversos produtos, como ração.
Conforme a redação do texto, há uma permissão para tributar produtos primários e semiacabados como uma alternativa para manter o financiamento de fundos estaduais criados até 30 de abril deste ano. Essa contribuição poderia ser aplicada até 2043.
A possibilidade de criação desses fundos foi estabelecida em 2016 pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). No entanto, a forma de cobrança para o financiamento já está sendo questionada no STF (Supremo Tribunal Federal), com sete ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) já ajuizadas.
De acordo com um levantamento realizado por três escritórios de advocacia (Okuma Advogados, Silveira Athias Associados e Donas Guimarães Falek Advogados), esses fundos estão presentes em 17 estados, incluindo Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. O Paraná aprovou um fundo que está em fase de implementação, e há um fundo em discussão na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Os especialistas em direito tributário afirmam que, de acordo com a redação do texto, não é possível determinar o alcance real da contribuição, mas a proposta sugere que se trata de um tributo adicional, semelhante a um novo ICMS, que se somará aos impostos propostos na reforma, como o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) estadual e o CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços) federal. Como cada estado teria autonomia para definir a cobrança, a contribuição poderia ser aplicada tanto no mercado interno quanto nas exportações, ao contrário dos outros tributos criados. No entanto, como muitas commodities têm seus preços cotados em Bolsa, é provável que o aumento da tributação se concentre no mercado interno.
“Essa contribuição será uma forma para os estados escaparem das restrições do IBS”, afirma o advogado Fernando Scaff, sócio do Silveira Athias e professor de direito financeiro da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
Os estados contemplados com esses fundos são líderes na produção de alimentos. Os tributos têm um peso significativo no preço final de qualquer produto, como explica o economista Andre Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
A produção e exportação de commodities nesses estados indicam o que pode ser tributado adicionalmente, caso a contribuição seja mantida no Senado. Nove estados, incluindo Mato Grosso, líder na produção de soja e milho, bem como carne bovina, possuem um cultivo forte dessas culturas. O Paraná é responsável por um terço da produção de frango e tem a segunda maior produção de suínos. O Espírito Santo é o segundo maior produtor de café do Brasil, concentrando-se no plantio de café conilon, que tem alta produtividade, principalmente para o mercado interno. Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte são os principais produtores e exportadores de frutas, incluindo manga, uva e melão, para citar apenas alguns exemplos.
Oito estados concentram a produção de feijão, sendo que seis deles possuem fundos. Paraná, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Ceará e Pernambuco respondem por quase 60% da produção nacional total de feijão. Estimativas indicam que Goiás será responsável por um terço da produção de tomate na próxima safra. O estado tem avançado na agricultura, já disputando a quinta posição no ranking nacional de grãos. O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz e trigo, enquanto Tocantins e Maranhão também se destacam no cultivo desses produtos.
Os tributaristas acreditam que será necessário um mapeamento mais abrangente para consolidar o número total de fundos em todo o país. Independentemente do que foi apresentado, todos os estados provavelmente buscarão acesso à nova contribuição, caso ela seja validada. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, por exemplo, não foi mencionado no levantamento inicial, mas afirmou em uma entrevista à GloboNews que é contra o aumento da carga tributária, embora apoie alternativas para que os estados possam tributar recursos minerais e do agronegócio.
Os tributaristas argumentam que a proposta da contribuição viola princípios tributários e diretrizes da Reforma Tributária. Um dos motivos é que a nova contribuição manteria a cobrança na origem, enquanto o país está mudando para a cobrança no destino. Além disso, ela seria um novo tributo, quando o esforço é reduzir a quantidade de impostos já existentes.
Atualmente, a Constituição proíbe que os estados criem contribuições, que são tributos com destinação específica. Como a cobrança dos fundos tem uma destinação específica, as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no STF recorrem a esse dispositivo constitucional para solicitar a suspensão da cobrança.
A advogada Alessandra Okuma, especialista em tributação, explica que a maioria dos estados exige que as empresas interessadas em obter benefícios fiscais de ICMS paguem 10% desses benefícios para o fundo. Os estados possuem variações na forma de cobrança, como Goiás, que cobra até 1,65% sobre o valor total da operação com as mercadorias especificadas na legislação do ICMS ou por unidade de medida adotada na comercialização, e Tocantins, que cobra com base no valor da nota fiscal.
Os advogados acreditam que os estados aproveitaram a reforma para constitucionalizar algo que estava sendo questionado. “A discussão no STF pode mudar se esse dispositivo for aprovado, pois ele busca reconhecer a natureza tributária dessas contribuições que já existem e tenta validá-las”, diz Okuma. “Na minha opinião, os governadores estão explicitamente assumindo que já estão cobrando impostos, o que não deveriam fazer.”
A redação referente ao novo tributo aprovada na Câmara diz o seguinte:
“Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição à contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relacionados com o imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, prevista na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se até 31 de dezembro de 2043.”
O artigo mencionado na Constituição determina o seguinte:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Fonte: Folha